A Medicina Integrativa (MI) classifica a Hipnoterapia como uma Terapia Não Convencional (TNC), uma vez que esta técnica não está inserida na metodologia clássica dos programas terapêuticos e não referenciados nos principais protocolos e guidelines. Isso não significa que essas condições diminuam o poder terapêutico dessa técnica, quando utilizada segundo um diagnóstico nosológico médico em conjunto com outras técnicas convencionais.
A Inserção da Hipnoterapia na Medicina Integrativa
A Medicina Integrativa permite, ao médico e aos demais profissionais de saúde, o conhecimento e a inter-relação necessária na indicação e no encaminhamento para as Terapias Não Convencionais (TNC), dentre elas a Hipnoterapia. Esta TNC possui caráter reconhecido na promoção de relaxamento intenso, na ampliação da concentração, colaborando com as demais técnicas convencionais quando indicadas nos tratamentos psico- comportamentais e baseadas no diagnóstico nosológico médico e na avaliação psicológica.
A SBMI entende que para agregar terapias se fazem necessários a formação técnica e o conhecimento adequado para o discernimento da indicação, aplicação e encaminhamentos para as TNCs. Evitam-se, assim, possíveis agravamentos clínicos, riscos físicos e psíquicos do uso inadequado das técnicas terapêuticas.
Integração Médica com a Hipnoterapia
Durante toda história da humanidade, a hipnose esteve presente nas mais diversas civilizações e sua prática associada a ritos religiosos, arte circense e procedimentos terapêuticos. No século 1500 a.C., os egípcios praticavam a hipnose com finalidade terapêutica, para aliviar a dor, conforme relatos encontrados no papiro de Ebers. Nos tempos de Asclépia na Grécia, essa técnica era conhecida como terapia onírica, na busca da “cura” para alguns males (Hammond, 2013).
No século XVIII e XIX a hipnose é impulsionada pelo médico alemão Frans Mesmer e por seu contemporâneo o médico escocês Dr. James Braid, apareceram os primeiros conceitos científicos sobre o seu uso terapêutico. Por volta de 1887, o médico neurologista e psiquiatra Dr. Sigmund Freud utilizou a sugestão hipnótica como artifício na remoção de alguns sintomas relatados por seus pacientes. Posteriormente, no século XX, o psiquiatra americano Milton H. Erickson revolucionou os estudos clínicos sobre ela, aprimorando a hipnoterapia clínica e popularizando sua prática e, como consequência, fez com que esta se dividisse em duas escolas: hipnose clássica e hipnose ericksoniana (Bauer, 2015). Em 1957, fundou a American Society of Clinical Hypnosis, para difundir a técnica e reunir profissionais da área.
Algumas linhas de pesquisa começaram a esclarecer os diferentes componentes da sugestionabilidade hipnótica e mecanismos neurofisiológicos e neuropsicológicos envolvidos. O neurotransmissor que vem sendo apontado como principal envolvido na sugestionabilidade hipnótica é a dopamina, enquanto estudos farmacológicos com psicotrópicos sugerem que a serotonina pode aumentar a sugestionabilidade hipnótica (De Benedittis, 2021). Já a resposta hipnótica seria mediada pelo glutamato, enquanto o ácido gama-aminobutírico (GABA), neurotransmissor inibitório dominante no cérebro, estaria associado à sugestionabilidade. As evidências disponíveis em relação à ação da ocitocina ainda são contraditórias, embora saiba-se que esteja envolvida em vários domínios psicológicos (por exemplo, comportamento social, empatia) (De Benedittis, 2021). As interações complexas entre neurotransmissores e neuromoduladores e outras variáveis (incluindo baixa qualidade de desenhos experimentais), entre outros, são questões que impactam a total compreensão dos mecanismos de ação envolvidos na hipnose (De Benedittis, 2021).
Uma infinidade de diagnósticos vem sendo abordados com intervenções não convencionais, que buscam uma maior capacidade de sugestionamento que facilite o tratamento, seja por uma intervenção direta ou por via indireta na clínica do paciente por meio de um outro estado de consciência, com uma atenção plena voltada a saúde e não a doença. A evolução das técnicas de hipnose vem demonstrando uma efetiva contribuição na melhora dos quadros clínicos de dor, ansiedade, depressão e traumas psico-emocionais (Adachi et al., 2014). O controle da dor crônica, como dores lombares, câncer, dor neuropáticas, fibromialgia (De Benedittis, 2020); e de distúrbios alimentares tem apresentado bons resultados (Entwistle et al.,2014).
A Hipniatria é um procedimento médico que utiliza a hipnose como parte predominante do conjunto terapêutico. Em 1961, a Associação Psiquiátrica Americana reconheceu o valor dessa terapia não convencional como recurso no diagnóstico e tratamento psquiátrico, assim como em outras áreas médicas.
A regulamentação da hipnose na medicina se dá pelo parecer CFM nº 42/1999, ratificando esta importante técnica na intervenção do processo saúde-doença, devendo ser exercida por profissionais devidamente qualificados, para fins de diagnóstico ou tratamento. A hipnose tem seu uso autorizado e reconhecido também pelos conselhos Federal de Psicologia pela resolução 013/2000, de 20 de dezembro de 2000 (CFP, 2000); Conselho Federal de Odontologia (CFO, 2008); Conselho Federal de Enfermagem (COFEN, 2018) e o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO, 2010). Em 2018, o Ministério da Saúde acrescentou à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) o uso da hipnoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS).
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Hipnose (SBH) respalda os profissionais e oferece cursos de capacitação na área, com sede em São Paulo. No Rio de Janeiro, a Sociedade Brasileira de Hipnose Médica (SOHIMERJ) oferece cursos de habilitação em hipnose.
Em Minas Gerais, há o Departamento de Hipniatria da Associação Médica de Minas Gerais, a Sociedade Mineira de Hipnose e no Paraná a Sociedade de Hipnose do Paraná. Existem em outros Estados Sociedades e entidades federadas, como a Federação Centro-Sul de Hipnose e a Confederação Brasileira de Hipnose, sediada em alguns Estados do Nordeste.
Existem núcleos em que a hipnose é pesquisada e aplicada. O médico Dr. Osmar Colás, fundador do Instituto Osmar Colás de hipnose clínica, é um dos primeiros profissionais do país a aplicar a hipnose como ferramenta de tratamento clínico. É coordenador do grupo de estudos de hipnose do departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O setor de Medicina Comportamental do Depto. Psicobiologia UNIFESP conta com outros profissionais de destaque atuantes na área, como o Prof. Dr. José Roberto Leite, cujas pesquisas na área de hipnose e mindfulness são conhecidas internacionalmente.
Na USP, o Grupo de Estudos de Hipnose e Estados Alterados de Consciência (GEHIP), fundado por Wellington Zangari e Guilherme Raggi, psicólogos e coordenado pelo psicólogo e fisioterapeuta André Renato Rizzi e psicólogos Gabriel Teixeira de Medeiros, Leonardo Breno Martins e Fátima Regina Machado, é uma atividade de extensão do InterPsi USP, Instituto de Psicologia da USP (IP/USP). Apresenta como objetivo concentrar o interesse na área de pesquisas em aspectos da Psicologia Anomalística voltados aos fenômenos hipnóticos e aos estados alterados de consciência. O Instituto de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo é berço da utilização e defesa da utilização clínica da hipnose nos atendimentos em psiquiatria (Alarcão, Mota, 2019). No Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP o Ambulatório da Dor usa a Hipnose há mais de 25 anos como recurso terapêutico em seus tratamentos, sendo a médica fisiatra e coordenadora do Ambulatório da Dor do HC-USP, Dra. Lin Tchia Yeng, uma das defensoras da utilização da técnica (Yeng, Teixeira, 2004).
No Ceará, os psicólogos Fátima Calegari Facchinetti e João Augusto Facchinetti Santos são diretores do Instituto Erickon, centro privado que disponibiliza a técnica.
No Sul, o médico Régis Aquino, Prof. Dr. Responsável pelo curso de extensão em Hipnose Médica na PUCRS, é um renomado atuante na área. Há anos é professor no curso de Extensão da Escola de Medicina da PUCRS, voltado para profissionais da saúde.
No exterior, alguns pesquisadores se destacam em pesquisas sobre a Hipnose, como Stephen Kosslyn, da Universidade de Harvard, e David Spiegel, de Stanford, Devin Terhune, de Oxford, Irving Kirsch, um dos maiores especialistas em hipnose clínica do mundo e Ph.D. em psicologia pela University of Southern California, o britânico David Oakley, Ph.D. em psicologia clínica e professor da University College London, o neurocientista israelense Avi Mendelsohn. Atualmente, o psicólogo Ph.D Arreed F. Barabasz da Universidede Washington State é um dos grandes expoentes na pesquisa sobre hipnose, com mais de 100 publicações, incluindo projetos mediação da atenção por hipnoaconselhamento e auto-hipnose.
Referências:
- Adachi T, Fujino H, Nakae A, Mashimo T, asaki J. A Meta-Analysis of Hypnosis for Chronic Pain Problems: A Comparison Between Hypnosis, Standard Care, and Other Psychological Interventions, International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis 62(1):1-28, 2014.
- Alarcão GG, Mota A. História crítica da hipnose na psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil, entre 1930-1970. Interface (Botucatu) 23: e180346, 2019.
- Bauer S. Manual de Hipnoterapia Ericksoniana. 3º Ed.Rio de Janeiro: Wak, 2015.
- CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Atualiza, no âmbito do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem, os procedimentos para Registro de Títulos de Pós – Graduação Lato e Stricto Sensu concedido a Enfermeiros e aprova a lista das especialidades.Resolução COFEN Nº 581/2018 – alterada pela Resolução COFEN Nº 625/2020 e Decisões COFEN Nº 065/2021 e 120/2021. Disponível em: < http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-581-2018_64383.html >. Acesso em: 06 nov 2021.
- CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL. Regulamenta o uso pelo Fisioterapeuta das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde e dá outras providências. Resolução n. 380/2010, de 30 de novembro de 2010. Disponível em: < http://www.crefito3.org.br/dsn/pdfetica/Res%20Coffito%20380-2010%20-%20Pr%C3%A1ticas%20Integrativas.pdf>. Acesso em: 06 nov 2021.
- CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Reconhece e regulamenta o uso pelo cirurgião-dentista de práticas integrativas e complementares à saúde bucal. Resolução Nº 82/2008, de 25 de setembro de 2008. Disponível em: < http://www.croma.org.br/normas/F/federal_2008_109.pdf>. Acesso em: 06 nov 2021.
- CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Aprova e regulamenta o uso da Hipnose como recurso auxiliar de trabalho do Psicólogo. Resolução No 013/00, de 20 de dezembro de 2000. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2000/12/resolucao2000_13.pdf> Acesso em: 06 nov 2021.
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- Entwistle PA, Webb RJ, Abayomi JC, Johnson B, Sparkes AC, Davies IG. Unconscious agendas in the etiology of refractory obesity and the role of hypnosis in their identification and resolution: a new paradigm for weight-management programs or a paradigm revisited? Int J Clin Exp Hypn. 62(3):330-59, 2014.
- Hammond DC. A Review of the History of Hypnosis Through the Late 19th Century. The American Journal of Clinical Hypnosis 56: 174-191, 2013.
- Portaria nº 702 de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares-PNPIC. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2018.
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