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Geoterapia

A Medicina Integrativa (MI) classifica a Geoterapia como uma Técnica Não Convencional (TNC), por se tratar de uma modalidade que não utiliza as metodologias clássicas em seus estudos científicos, que possam garantir uma certificação dos resultados propostos no tratamento. Tem como base em suas terapias a argila e suas propriedades físico-químicas, aplicadas por meio de cataplasma, banhos e ingestão.

A Inserção da Geoterapia na Medicina Integrativa

A Geoterapia é uma Terapia Não Convencional (TNC) que integra a MI, amplificando os tratamentos convencionais em suas vertentes físicas e dermatológicas. A argila, além de seus efeitos terapêuticos nos tratamentos corporais, promove sensação de relaxamento e de “bem-estar” sendo, muitas vezes, aplicada como prática complementares de bem-estar (PCBE). Não existe terapia, seja ela convencional, tradicional, não convencional ou práticas complementares de bem-estar que seja inócua ao paciente. O diagnóstico nosológico médico garante uma boa prescrição do plano terapêutico e a integração das terapias propostas.

A SBMI entende que para agregar terapias se faz necessário a formação técnica e o conhecimento adequado para o discernimento da indicação, aplicação e encaminhamentos para as TNCs. Evitando assim, possíveis agravamentos clínicos, riscos físicos e psíquicos do uso inadequado das técnicas terapêuticas.

Integração Médica com a Geoterapia

A Geoterapia é descrita em registros nas mais diversas civilizações antigas como Mesopotâmia, Grécia, Roma e Egito, (Carretero, 2002) consta no Papiro de Ebers escrito há cerca de 3.500 anos, no Canon da Medicina de Avicena do ano 1025 e nos tratados de Hipócrates (Souza, Duarte, Medeiros, 2013; Gomes, Silva, 2007). O uso de argilas com propósitos medicinais é tão antigo quanto a própria humanidade, com indícios de que o Homo erectus e Homo Neanderthalensis faziam uma mistura utilizando ocres, água e diferentes tipos de lamas, para curar feridas e aliviar irritações (Souza, Duarte, Medeiros, 2013).

Considerado um tratamento não convencional que consiste na utilização de argilas, que são definidas como materiais naturais terrosos que possuem em sua composição diferentes tipos de minerais com propriedades analgésicas, desintoxicantes, antissépticas, estéticas, emolientes, dentre outras (Truppel, Marafon, Valente, 2020). Podem ser utilizada na forma de cataplasmas (lama medicinal aplicada em uma pequena área do corpo), banhos medicinais (imersão da área afetada ou corpo inteiro em uma banheira ou recipiente que acomode uma mistura de argilas e água, com temperatura variável de acordo com o propósito terapêutico), peloterapia (aplicação de peloide, ou agente terapêutico misturado a argilas e maturado em água salgada, geralmente em temperatura de 40-45°C) e fangoterapia (mistura de argilas, parafina e extratos, como lavanda, aloe vera e hortelã pimenta, de preparo extemporâneo) (Carretero, 2002; Silva, 2002).

A utilização de águas termais com propósito terapêutico recebe o nome de Balneoterapia ou hidroterapia, sendo chamada de Balneologia a área que estuda as ações das águas medicinais, com uso tradicional em países da Europa ( Gutenbrunner, 2014).

Tem sido utilizada para complementar o tratamento de doenças dermatológicas (acne, úlceras, seborreia e queimaduras) e para aliviar a dor de doenças reumatológicas ou causadas por trauma esportivo (Arthur et al., 2012; Arévalo et al., 2016), protetores gastrointestinais, laxativos, antidiarreicos, além de utilização em cosméticos (Carretero, 2002). O uso como cicatrizante, antiinflamatório e propriedades antibacterianas para tratamento de úlceras, infecções cutâneas e cicatrizante em queimaduras tem sido estudado (Willians et al., 2008). É opção de fácil preparo, não invasiva e de baixo custo (Arévalo et al., 2016). Dependendo da origem da argila, as interações químicas de diferentes oligoelementos e minerais e a biodisponibilidade destes apresentam efeitos terapêuticos diversos (Gomes, Silva, 2007).

O uso cosmético e farmacológico de determinadas argilas é corriqueiro, sendo utilizadas como excipientes e como substâncias com atividade biológica na formulação de formas farmacêuticas sólidas (comprimidos, cápsulas e pós), líquidas (suspensões, emulsões) ou semisólidas (pomadas, cremes) (Carretero, 2002; López-Galindo, Viseras, Cerezo, 2007). Muito além das formulações farmacêuticas, tanto o uso externo quanto o consumo direto de argilominerais para fins medicinais ou espirituais estão presentes em diversas culturas ao redor do mundo, estando especialmente enraizada na tradição de inúmeros povos nativos (Ferrell, 2008; Williams et al., 2008).

A Organização Mundial de Saúde reconhece a Geoterapia como prática integrativa e seus insumos (argilas, pedras, cristais e outros) como tratamento complementar no seguimento de saúde. Oficialmente, começou a fazer parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) em 2018, sendo utilizada no Sistema Único de Saúde (SUS).

O Vale do Capão é referência estadual no que se diz respeito às PICS, que fazem parte integral da Unidade Básica de Saúde (UBS) de distrito de Caeté-Açu no estado da Bahia a mais de 10 anos e possuem uma ampla aceitação por parte da população. Devido à abundância de material pelítico na região e respeitando os costumes e tradições a muito enraizados, a geoterapia se destaca entre as PICS da UBS de Caeté-Açu (Nardy, 2018). O médico local, Dr. Áureo Augusto, disponibiliza em seu “Manual de procedimentos naturistas” a forma recomendável para coleta de material assim como a técnica de aplicação a ser utilizada. As aplicações são feitas em forma de cataplasmas (mistura do material coletado e água) locais e abdominais em casos de problemas digestivos, reumatismos e doenças sistêmicas, e para pancadas, torções, ou picadas de animais peçonhentos, são feitas aplicações locais (Nardy, 2018).

Em Petrolina-PE, o Recanto Madre Paulina (instituto filantrópico de saúde holística) também oferece tratamento de geoterapia de forma gratuita. Em Peruíbe, há o “Lamário”, em que a lama negra da cidade é utilizada para tratamentos de psoríase, neuropatia periférica, acne e seborreia, mialgia, artrite e processos reumáticos (da Silva et al., 2015).

Na UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina) na clínica Escola de Naturologia, a utilização de Geologia no tratamento de dores lombares tem demonstrado resultados promissores (Delfino et al., 2020).  Na USP, a composição da lama negra de Peruíbe tem sido estudada (da Silva et al., 2015). Em 2007, Britschka e colaboradores verificaram os efeitos protetores contra dano articular em um modelo pré-clínico com indução de artrite crônica.

A utilização de Geoterapia em SPA’s é corriqueiro (Carreter, 2002). Existem SPA’s e hóteis que disponibilizam a Geoterapia no Brasil, com finalidades curativas e relaxantes, como o Hotel Panorama em Águas de Lindóia (SP), Clínica e SPA Vida Natural em São Roque (SP) e o SPA Rituaali em Penedo (RJ) e Refúgio Avalon em Pirenópolis (GO). Na Praia de Carneiros (PE), em Aldeia Flor d’Água localizada no município do Conde, no Litoral Sul da Paraíba, Peruíbe (SP), Itapuama (cabo de Santo Agostinho-PE) e na praia de Gamboa em Morro de São Paulo (BA) são localidades em que é possível encontrar fontes/banhos de argila no Brasil.

No exterior, algumas cidades são conhecidas por piscinas naturais para banho de argila medicinal. Pode-se citar algumas, como Calistoga, Califórnia, nos Estados Unidos; Sulphur Springs, na cidade histórica de Soufriere, na ilha caribenha de Santa Lúcia, com banhos públicos de lama vulcânica; El Totumo volcano em Cartagena, Colômbia;  Rotorua, Nova Zelândia, com o conhecido Mud Bath Spa; Sakura Sakura Hot Springs em Kirishima, Japão; Boryeong Mud Skincare Center na Cidade de Boryeong na Koreia do Sul;em Marmaris, Turquia encontra-se o Dalyan Mud Bathe; na Islândia o Blue Lagoon Geothermal Spa na cidade de Reykjavik; Lago Techirghiol na Romênia; Ilha de Palea Kameni em Santorini, Grécia; Copahue, na Argentina; e piscinas termais, cavernas/saunas e banhos de lama disponíveis em Bormio, Itália.

Na Argentina, o grupo da Prof. Miria T Baschini (CIMAR, Faculdade de Ingeniería, Universidad Nacional del Comahue, Buenos Aires) vem estudado a composição e aplicações clínicas da argila encontrada na cidade de Copahue, cujos efeitos terapêuticos são utilizados para tratamento de artrite, traumas musculares e ósseos e patologias dermatológicas (Baschini et al., 2010).

Na Europa, a Geoterapia é utilizada em vários países. Uma das referências contemporâneas médicas na utilização dessa terapia não convencional é o médico francês Dr. Raymond Dextreit, que possui diversas publicações em Geoterapia e nutrição. Publicou em 1952 o livro “The Healing Power of Clay”, sendo responsável pela ressurgência da utilização na argila para fins medicinais na cultura ocidental.

Na Espanha, o médico Dr. Antonio Hernández Torres e colaboradores, da Universidade de Barcelona, estudam há anos os efeitos terapêuticos e cosméticos da aplicação de argila em associações, além dos efeitos clínicos associados à balneoterapia (de la Fuente, Hernández-Torres, 2014).

Na Itália, as pesquisas do Prof. Dr. Massimo Setti (Professor Associado do Departamento de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade de Pavia) são conhecidas em todo o mundo. As contribuições do Prof. Massimo sobre a composição de argilas tem contribuído para o entendimento dos mecanismos físicos e químicos e ações farmacológicas.

Referências:

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  • Arthur K, Nascimento LC, Figueiredo DAS, Souza LB, Alfieri FM. Efeitos da geoterapia e fitoterapia associadas à cinesioterapia na osteoartrite de joelho: estudo randomizado duplo cego. Acta Fisiátr. 19(1):11-15, 2012.
  • Baschini MT, Pettinari GR, Vallés JM, Aguzzi C, Cerezo P, López-Galindo A, Setti M, Viseras C. Suitability of natural sulphur-rich muds from Copahue (Argentina) for use as semisolid health care products. Applied Clay Science 49: 205–212, 2010.
  • Carretero MI. Clay minerals and their beneficial effects upon human health. Applied Clay Science 21: 155-163, 2002.
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  • Silva, JSDL. Aplicação Dermocosmética de Geoprodutos. Tese, Mestrado. 55 f. Universidade Fernando Pessoa, Porto. Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas. 2002.
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