A Medicina Integrativa (MI) classifica a Arteterapia como uma Técnica Não Convencional (TNC), que utiliza os mais diversos recursos e técnicas artísticas na intervenção dos mais variados contextos terapêuticos. Esse instrumento transdisciplinar híbrido tem suas bases ligadas essencialmente nas áreas das Artes e da Psicologia.
A Inserção da Arteterapia na Medicina Integrativa
A Arterapia, em sua ação biopsicossocial, é integrada a MI como uma TNC, que desempenha uma conexão com os tratamentos convencionais, utilizando expressões criativas, muitas vezes por meio de intervenções não racionais, buscando auxiliar no tratamento psicossomático e nos transtornos psicoafetivos.
A Medicina Integrativa ratifica em seus conceitos que não existe terapia inócua ao paciente e que a aplicação de qualquer técnica convencional associada às demais deve possuir um diagnóstico nosológico médico e, no caso da Arterapia, uma avaliação transdisciplinar se faz apropriada para a utilização da mesma.
A Sociedade Brasileira de Medicina Integrativa (SBMI) entende a necessidade de formação técnica profissional para o discernimento da indicação, aplicação, encaminhamento e evolução clínica, na utilização das técnicas e práticas no modelo integrativo, resguardando assim possíveis agravos clínicos e os riscos físicos e psíquicos do uso inadequado das terapias.
Integração Médica com a Arteterapia
A arte está presente em todas as culturas da humanidade e representa uma função fundamental para o desenvolvimento humano, e de forma interdisciplinar deve estar contida em processos terapêuticos que necessitam dessa expressão (Loiola, Andriola, 2017).
No século XIX, o médico psiquiatra alemão Johann Christian Reil empregou expressões artísticas por meio de textos, sons, desenhos e pinturas na busca de melhores resultados terapêuticos (Binder, Schaller, Clusmann, 2007). Os resultados da Arteterapia se monstraram promissores, sendo utilizadas por outros celebres médicos como Carl Gustav Jung e Donald Woods Winnicott (Loiola, Andriola, 2017).
A educadora e psicóloga americana Margaret Naumburg, discípula do médico Dr. Sigmund Freud, sistematizou o conceito de Arteterapia de Orientação Dinâmica em 1941, tornando-se uma das principais referências no estudo desta prática não convencional (Reis, 2014).
No Reino Unido, Adrian Hill é conhecido como o primeiro terapeuta a usar o termo Arteterapia em 1942. Muitas de suas obras de arte estão expostas no Imperial War Museum em Londres, quando pintou na linha de frente como oficial artista de guerra durante a Primeira Guerra Mundial. Hill pessoalmente descobriu a qualidade terapêutica do fazer artístico quando se recuperava de tuberculose em 1938 em uma clínica, e escrevendo posteriormente o livro “Arte versus Doença” com seus conceitos em 1945. Ele foi contratado como primeiro arteterapeuta oficial em 1946 pelo Netherene, um hospital psiquiátrico estadual no Reino Unido. Mais tarde, ele se tornou o presidente da British Association of Art Therapists. As contribuições de Hill se tornaram um marco para a aceitação e prática do queque conhecemos hoje como arteterapia (Reis, 2014).
No Brasil, a Arteterapia tem como exponenciais da área médica o Dr. Osório César, médico psiquiatra que em 1929 demonstrou o método de classificação de obras de arte de pacientes psiquiátricos chamada “A Expressão Artística dos Alienados”, demonstrando um alinhamento com os estudos freudianos de arte (Andriolo, 2003). Outra notória médica psiquiatra, Dra. Nise da Silveira, de vertente junguiana, desenvolveu um dos maiores trabalhos de Arteterapia com pacientes psiquiátricos em Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Sua obra é referenciada mundialmente, pois seus resultados demonstraram que a arte possui uma dinâmica ímpar no tratamento das patologias psiquiátricas (Pereira, João, 2003).
Essa técnica terapêutica não convencional utiliza inúmeras linguagens que vão das literárias, passando pelas sonoras, plásticas, dramática e corporais, com base em técnicas expressivas dinâmicas ou não, como música, dramatização, poesia, dança, modelagem, pintura e desenho, como instrumento de intervenção profissional para a promoção da saúde e a qualidade de vida (Reis, 2014).
A constituição das bases da Arteterapia tem como referência um método que se apropria e realiza interface com várias formas de expressões artísticas, tendo como finalidade ações terapêuticas. Conceitualmente, é uma elaboração estética e artística que busca equalizar os processos na esfera psicoemocional e físico, em favor da saúde.
A Arteterapia é uma especialização destinada a profissionais com graduação na área da saúde, como Psicologia, Enfermagem e Fisioterapia, embora se reconheça sua utilização por pessoas formadas nas áreas das artes e da educação, desde que sem o enfoque clínico (Reis, 2014). Dependendo da formação do profissional e o público com o qual trabalha, a Arteterapia encontra diferentes aplicações: na avaliação, prevenção, tratamento e reabilitação voltados para a saúde, como instrumento pedagógico na educação e como meio para o desenvolvimento (inter) pessoal através da criatividade em grupos (Reis, 2014). Assim, o campo de atuação da Arteterapia tem se ampliado, abrangendo além do contexto clínico também o educacional, o comunitário e o organizacional (Reis, 2014).
A Arteterapia é uma terapia complementar em que a arte e psicologia se fundem para auxiliar no tratamento das patologias psicossomáticas. O enfoque não é padronizado, é individualizado de acordo com as necessidades de cada paciente, sendo uma ferramenta de grande valia nos casos em que a expressão verbal não atinge satisfatoriamente a meta terapêutica (Bitonte e de Santo, 2014).
É utilizada frequentemente em situações clínicas em que os pacientes sofrem com condições crônicas, como doença de Alzheimer, SIDA, pacientes oncológicos, hemodiálise, trauma cerebral, esquizofrenia, demências, depressão, bipolaridade e casos de transtorno de personalidade borderline. Se mostra particularmente útil em tratamento de casos de pacientes que sofreram abuso sexual (crianças e adultos) (Bitonte e de Santo, 2014). Como terapia complementar, vem sendo aplicada em estresse, auxilia na reabilitação neurológica, não só sendo utilizada no tratamento, como na prevenção de distúrbios e complicações destes, como também sendo aplicada como ferramenta de diagnóstico (Novo et al., 2021).
Dentro da Antroposofia, a Arteterapia antroposófica é uma modalidade que emprega diversas técnicas, sendo disponibilizada como uma terapia individual, ou como terapia individual em pequenos grupos, ou como terapia de grupo. Os pacientes aprendem a trabalhar especificamente com um determinado meio (por exemplo, escultura ou pintura). Antes da primeira sessão de tratamento há uma sessão especial, para que se faça a anamnese e o diagnóstico do ponto de vista da Arteterapia (Kienle et al., 2013).
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICs), incluiu a Arteterapia no Sistema Único de saúde (SUS), demonstrando a interface nos programas de saúde entre técnicas não convencionais e convencionais para os mais diversos tratamentos.
No Brasil, temos a Sociedade Brasileira de Arteterapia (SOBRARTE) e Associação Brasil Central de Arteterapia (ABCA) que representam a técnica. Há também a UBAAT (União Brasileira de Associações de Arteterapia e Associações Regionais de Arteterapia) e sua rede de Associações Regionais de Arteterapia fornece orientação e Informação sobre questões relacionadas à prática, profissionalização, treinamento e regulamentação da profissão de Arteterapeuta.
Os Arteterapeutas são profissionais com treinamento tanto em arte como em terapia, com conhecimento sobre o potencial curativo da arte. Os cursos de arteterapia são ministrados para profissionais de diversas áreas, psicologia, pedagogia, psiquiatria, fonoaudiologia, arte-educação, enfermagem, entre outros, onde cada um insere a arteterapia em sua área de habilitação profissional.
Entre os profissionais atuantes na área, pode-se citar a psicóloga Otília Rosângela Souza, fundadora da Associação Mineira de Arteterapia e membro do conselho diretor da União Brasileira de Associações de Arteterapia. Além de ser professora do curso de pós-graduação em Arteterapia do NAPE-São José dos Campos – SP e professora e coordenadora da pós-graduação em Arteterapia da Integrarte onde são promovidos cursos de Pós-graduação na área, escreveu o livro “Longevidade com criatividade – Arteterapia com idosos”.
A UNIP (Universidade Paulista) dispõe do Curso de Pós-graduação Lato Sensu de Arteterapia Aplicada à Saúde, Artes, Educação e Organizações. Coordenado pela Profa. Patrícia Pinna Bernardo, Pós-Doutora em Mitologia Criativa e Arteterapia (USP), a profissional atua na área há vários anos, tendo trabalhado na Prefeitura de São Paulo, como docente, promovendo workshops e cursos na área.
O CEFAS (Centro de Formação e Assistência à Saúde) em Campinas – SP oferece o Curso de Especialização em “Psicanálise e Arteterapia: Teoria e Prática”, capacitando profissionais o profissional para a utilização dos recursos artísticos em contextos diversos de atuação: pintura, artes plásticas, teatro, música, dança, desenho, literatura-poesia, cinema e material de mitos.
A USP de Ribeirão Preto dispõe como disciplina de graduação “Arte Terapia: Estética, Ética e Saber” na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – Psicologia.
O Instituto Freedom em São Paulo promove o Pós-Graduação em Arteterapia com Ênfase em Arte-Reabilitação e Psicologia Analítica. A coordenação do curso é de responsabilidade das professoras Dilaina Paula dos Santos e Regina Chiesa, ambas com atuação de longa data na área e livros publicados.
No Brasil, a pesquisa em Arteterapia vem se desenvolvendo de forma crescente. Os mestrados foram desenvolvidos principalmente no decorrer da década de 90, e o número de doutorados vem aumentando consideravelmente. Nos anos 2000, foram escritos setenta e dois textos em pós-graduação stricto sensu (mestrados, doutorados, pós-doc) (ARTESP, 2010). As 5 grandes áreas de produção científica abrangem: Atelier Terapêutico, Educação e Criatividade; Artepsicoterapia; Saúde; Promoção da Saúde e Resgate da Saúde, nas áreas pertinentes a Ciências Humanas, Ciências da Saúde e Produção Científica (ARTESP, 2010).
No mundo, visualiza-se um crescimento da pesquisa em Arteterapia, como resultado de sua aceitação como promotor de saúde e intervenção positiva sobre a saúde física e psíquica (Novo et al, 2021). Os Estados Unidos é o país com maior número de publicações e citações, seguido por Israel e Reino Unido (Novo et al, 2021).
Nos EUA, a American Art Therapy Association difunde a técnica e a caracteriza como profissão. A Universidade do Estado da Flórida é a Instituição americana com maior número de pesquisas e publicações (Novo et al, 2021).
Já na Europa, a European Federation of Art Therapy (EFAT) promove o desenvolvimento da prática profissional, treinamento e pesquisa e o reconhecimento da profissão. A formação e exercício da profissão difere dependendo do país, sendo o desafio atual a harmonização de definições, qualificações, e padrões de treinamento regulamentações que permitam uma formação mais homogênea e concessão profissional para atuação no continente europeu (d’Elia, 2015). A tradição na fundamentação teórica, acompanhada de um aumento das atividades de pesquisa observado nos últimos anos faz da Arteterapia um campo de atuação profissional promissor na Europa (d’Elia, 2015).
Referências:
- Andriolo A. A “psicologia da arte” no olhar de Osório Cesar: leituras e escritos. Psicologia: Ciência e Profissão 23(4): 74-81, 2003.
- Associação de Arteterapia do Estado de São Paulo– AATESP. A formação em Arteterapia no Brasil: contextualização e desafios. Textos do III Fórum Paulista de Arteterapia. – São Paulo: Associação de Arteterapia do Estado de São Paulo, 2010. 163p.
- Binder DK, Schaller K, Clusmann H. The seminal contributions of Johann-Christian Reil to anatomy, physiology, and psychiatry. Neurosurgery. 61(5): 1091-6, 2007.
- Bitonte RA, de Santo M. Art Therapy: An Underutilized, yet Effective Tool. Mental illness 6(1):5354, 2014.
- d’Elia, M. Art Therapy in Europe. In: The Wiley Handbook of Art Therapy (eds D.E. Gussak and M.L. Rosal), 701-709, 2015.
- Kienle GS, Albonico HU, Baars E, Hamre HJ, Zimmermann P, Kiene H. Anthroposophic medicine: an integrative medical system originating in europe. Glob Adv Health Med. 2(6):20-31, 2013.
- Loiola RS, Andriola, CJS. A Arteterapia como Instrumento do Psicólogo na Clínica. ID on line. Revista de psicologia 11(35): 18-31, 2017.
- Ministério da Saúde (BR). Secretaria-Executiva. Portaria nº 971 de 3 maio de 2006: Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
- Novo NR, Muñoz MMN, Cuellar-Pompa L, Gomez JAR. Trends in Research on Art Therapy Indexed in the Web of Science: A Bibliometric Analysis. Front Psychol. 12:752026, 2021.
- Pereira F, João A. Nise da Silveira: imagens do inconsciente entre psicologia, arte e política. Estudos Avançados 17(49): 197-208, 2003.
- Reis AC. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão 34(1): 142-157, 2014.