A Medicina Integrativa (MI) classifica a Terapia Comunitária Integrativa como uma Prática Complementar de Bem-Estar (PCBE) que instrumentaliza as ações sociais e os cuidados comunitários com práticas de vivências norteadas por: Pensamento Sistêmico, Pragmática da Comunicação de Watzlawick, Antropologia Cultural, Ações Pedagógicas e Resiliência. Não possui caráter vinculado a uma terapia convencional, mas sim o de uma prática de bem-estar comunitária, buscando a troca de experiências, criação de vínculos, otimização da autonomia dos indivíduos por meio da ressignificação dos atos de vida. Essa PCBE tem a intenção de promover o caráter de bem estar comunitário, podendo assim auxiliar no tratamento dos indivíduos participantes, mas não sendo fundamental para a eficácia de tratamentos convencionais.
Essa PCBE não substitui em nenhum caráter o tratamento clínico prescrito ao paciente.
A Inserção da Prática Terapêutica Comunitária na Medicina Integrativa
A Prática Comunitária Integrativa chega à MI como uma PCBE, para os cuidados comunitários, reforçando a importância das relações interpessoais e favorecendo o processo de conscientização e responsabilidade do autocuidado, nos tratamentos convencionais, tradicionais, não convencionais e práticas complementares de bem-estar.
A Medicina Integrativa defende, em seus conceitos, que não existe terapia inócua e que práticas e ações que envolvam a atenção psicossocial, necessitam do acompanhamento de profissionais de saúde. Nesse contexto, o diagnóstico nosológico médico é de fundamental importância para a segurança do paciente, qualquer que seja o tratamento e PCBE realizados por ele.
A SBMI entende que toda integração de técnicas e PCBE requer formação técnica profissional, para o discernimento da indicação, aplicação, encaminhamento e evolução clinica, resguardando, assim, possíveis agravos clínicos, riscos físicos e psíquicos do uso inadequado das práticas complementares de bem-estar.
Integração Médica com a Prática Terapêutica Comunitária Integrativa
A Prática Terapêutica Comunitária Integrativa (TCI) foi criada pelo médico psiquiatra Dr. Adalberto de Paula Barreto, da Universidade Federal do Ceará, na década de 1980, quando atendia em uma comunidade carente em Fortaleza, CE (de Lima Silva et al., 2017). Muitos dos tratamentos prescritos não eram realizados adequadamente por falta de condição financeira dos pacientes e ao observar a sala de espera dos consultórios, viu que muitos pacientes incentivavam o outro pelos seus relatos de vida, de como lidaram com uma situação semelhante, e, ao mesmo tempo em que ajudavam o outro, também traziam uma sensação de bem-estar a si mesmo (de Lima Silva et al., 2017). Essa técnica, portanto, faz uso das experiências de vida dos membros do grupo para ajudar na solução de problemas de outros membros, fortalecendo o vínculo da comunidade, valorizando a história de vida de seus componentes e buscando um bem-estar comum (Moura et al. 2017).
Essa modalidade terapêutica surgiu em resposta à demandas do Centro de Direitos Humanos da Comunidade do Pirambú, a maior favela do Estado do Ceará, Brasil (de Lima Silva et al., 2017). Ela vem sendo aplicada em alguns países como Chile, Equador e Argentina, em diversas áreas – social, de saúde e de educação. A roda de TCI é um espaço de acolhimento e de partilha de sentimentos e experiências de vida. Mobiliza recursos e competências das pessoas por meio da ação terapêutica do próprio grupo, e estimula a formação de uma rede social solidária para enfrentar os problemas do cotidiano (Moura et al. 2017).
A técnica terapêutica ocorre em espaços públicos, procurando acolher o sofrimento pessoal e social, tanto no plano individual quanto através do fomento às redes de apoio, convivência e solidariedade. Propõe-se a valorizar a prevenção ao adoecimento, sobretudo estimulando o grupo a usar de sua criatividade, re-significando o presente e futuro a partir de seus próprios recursos, cuidando, assim, da saúde comunitária (Carvalho et al., 2013).
A roda de TCI é composta pelas seguintes etapas (Carvalho et al., 2013):
– Organização do espaço: cadeiras em círculo, facilitando a proximidade dos participantes, igualdade na participação e o diálogo íntimo e respeitoso;
– Acolhimento e dinâmica: clima caloroso, quebrando resistência e medos, brincando e aproximando com liberdade;
– Escolha do tema: tema livre, mas que seja conectado a algo que os membros estejam integrados. Elege-se um tema, dando oportunidade a todos de se inserirem no contexto;
– Perguntas durante a contextualização: busca a compreensão das vivências de cada um. Há um caminho interno a ser percorrido, interrogando seus próprios conflitos;
– Compartilhamento de experiências: através do assunto em debate, cada indivíduo amplia o tema na sua perspectiva e não há perda de elo, de conexão com os outros membros;
– Encerramento: responde-se a seguinte pergunta: o que estou levando daqui? Ocorre a conscientização do que foi levantado, fortalecendo o grupo.
Os terapeutas comunitários utilizam as seguintes etapas como guias: Acolhimento (Boas-vindas; Celebração da vida dos aniversariantes do mês; Exposição do objetivo da TCI; Apresentação das regras; Aquecimento do grupo por meio de música ou dança; e Apresentação do terapeuta), Escolha do tema (Palavra do terapeuta comunitário; Apresentação dos temas; Identificação do grupo com os temas apresentados; Votação; e Agradecimento), Contextualização (Informações; e Mote), Problematização (Lançar o mote), Conclusão (Formação da roda; e Conotação positiva) e, por último, a Apreciação, na qual o grupo reflete sobre seu aprendizado durante a terapia.
Muitos são os campos na área da saúde que aplicam a TCI, sendo utilizada na saúde da mulher (Paiva, 2017), do homem, da criança, do adolescente (Carvalho et al., 2021) e da pessoa idosa (de Moura, et al., 2017), na saúde mental (Silva, 2016), com usuários de drogas (Lemes, 2020), entre outros acompanhamentos psicoterapêuticos. Devido à sua fácil acessibilidade, baixo custo, autonomia e interação com os indivíduos, a TCI tem-se destacado entre as terapias complementares, com resultados positivos e promissores.
Existem casos bem-sucedidos de aplicação da TCI na prática clínica comunitária. Jataí e da Silva (2012) publicou relato da aplicação da técnica na comunidade Alto Jerusalém, em Fortaleza, Ceará, entre 2008 a 2009. Observaram-se algumas mudanças na comunidade submetida ao acompanhamento pela TCI, como adesão em participar das terapias comunitárias; o interesse da comunidade em revitalizar a associação comunitária; o aumento do vínculo da comunidade com os profissionais do PSF; o fortalecimento da comunidade (que escolheu um representante para participar do novo Conselho local de Saúde). Com a maior participação das atividades, houve 100% de aderência a atividades de prevenção, pois houve, garantia de acesso a alguns serviços básicos de saúde e a diminuição da demanda reprimida daquela comunidade, que não procurava os serviços de saúde (Jataí, da Silva, 2012). Esta adesão pela comunidade, com formação de vínculos com os profissionais do posto de saúde, consolidando-se numa estratégia na atenção básica de saúde.
Outras experiências podem ser citadas, como o grupo APOIE-SE (Grupo de Terapia Comunitária Estudantil) da Universidade Federal do Amazonas. Rodas de terapia ocorrem quinzenalmente, com condução por psicólogos do DAEST (Departamento de Assistência Estudantil) (DAEST, 2020).
Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, no Instituto de Humanidades, Artes Ciências Professor Milton Santos são conduzidas TCI de forma gratuita à comunidade, tendo como principais terapeutas Kléssyo Freire, psicólogo do Programa PsiU – Universidade, Saúde Mental e Bem-estar; e Graça Farani, terapeuta comunitária. O instituto disponibiliza atendimento sem necessidade de agendamento, aos estudantes e funcionários da universidade.
No Brasil, a Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa, ABRATECOM, é uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo fortalecer o desenvolvimento da Terapia Comunitária Integrativa, congregando pessoas e instituições, promovendo e criando redes.
Atualmente, o Dr. Adalberto Barreto participa ativamente de grupos on-line de TCI em suas mídias sociais, além de dar cursos e palestras na área. Assessora diretamente o núcleo de atendimento MISMEC 4 Varas: Comunidade que cuida, entidade civil sem fins lucrativos, filantrópica, que promove ações de prevenção da saúde comunitária, na comunidade do PIRAMBU (Fortaleza – CE). É um projeto interdisciplinar e transcultural do Departamento de Saúde Comunitária da Pró – Reitoria de Extensão da UFC – Universidade Federal do Ceará (MISMEC 4Varas, 2022).
Como profissionais atuantes na área, pode-se elencar a farmacêutica Prof. Dra. Milene Zanoni da Silva, coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Holística (NESHO). É professora da Universidade Federal do Paraná, onde faz parte dos programas de Pós-graduação em Saúde Coletiva e Saúde da Família da UFPR nas seguintes linhas de pesquisa: saúde mental, práticas integrativas e complementares em saúde, terapia comunitária, espiritualidade e saúde.
A professora psicóloga Dra. Anamélia Lins e Silva e Franco é outra profissional de destaque, com atuação em Salvador, no Instituto de Humanidades, Artes Ciências Professor Milton Santos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com publicações de trabalhos em TCI.
Na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara-SP, a atuação da Psicóloga da Unidade Auxiliar do Centro de Pesquisas da Infância e da Adolescência (CENPE) Josefa Emília Lopes Ruiz, é marcante. Além de ter publicações científicas na área e experiência no atendimento à comunidade, é presidente da ABRATECOM.
Referências:
- Braz JL, Sampaio JMV, Júnior ET, Pedro FS, Braga LCS. Terapia Comunitária Integrativa e Seu Diálogo com a Gestalt- Terapia. IGT na Rede, 14(27), 201-217, 2017.
- Carvalho MA, Dias MD, Miranda FA, Ferreira Filha MO. Contribuições da terapia comunitária integrativa para usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): do isolamento à sociabilidade libertadora. Cad Saude Publica. 29(10): 2028-38, 2013.
- de Lima Silva V, de Medeiros CACX, Guerra GCB, Ferreira PHA, de Araújo Júnior RF, de Araújo Barbosa SJ, de Araújo AA. Quality of Life, Integrative Community Therapy, Family Support, and Satisfaction with Health Services Among Elderly Adults with and without Symptoms of Depression. Psychiatr Q. 88: 359–369, 2017.
- Moura SG, Ferreira Filha MO, Moreira MASP, Simpson CA, Tura LFR, Silva AO. Representações sociais sobre terapia comunitária integrativa construídas por idosos. Rev Gaúcha Enferm. 38(2):e55067, 2017.
- Jatai JMS, da Silva LMS. Enfermagem e a implantação da Terapia Comunitária Integrativa na Estratégia Saúde da Família: relato de experiência. Revista Brasileira de Enfermagem 65(4): 691-695, 2012.
- DAEST. Terapia Comunitária Integrativa – TCI, 2020. Disponível em: < https://progesp.ufam.edu.br/institucional-daest/62-departamento-de-assistencia-estudantil-daest/622-terapia-comunitaria-integrativa-tci.html>. Acesso em: 05 mai 2022.
- de Moura SG, Ferreira Filha MO, Moreira MASP, Simpson CA, Tura FRL, Silva AO. Representações sociais sobre terapia comunitária integrativa construídas por idosos. Revista Gaúcha de Enfermagem 38(2): e55067, 2017.
- MISMEC 4 Varas, 2022. Disponível em: https://www.4varas.com.br/. Acesso em: 05 mai 2022.
- Paiva EL. Terapia Comunitária Integrativa e mulheres vivenciando o climatério: uma pesquisa ação. DIssertação (Doutorado). 178 f. Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017.
- Carvalho MAP, Dias MD, Almeida AS, Ribeiro RLR, Silva PMC, Ferreira Filha MO. Terapia Comunitária e sofrimento psíquico no sistema familiar: um enfoque baseado no novo paradigma da ciência. Ciênc. saúde coletiva 26 (12): 6211-6221, 2021.
- Silva PMC. A terapia comunitária como estratégia de intervenção para o empoderamento de usuários de CAPS em processo de alta. Dissertação (Doutorado). 276 f. Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.
- Lemes A. Dissertação (Doutorado). 220 p. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2020.