A Medicina Integrativa (MI) classifica a Meditação e Mindfulness como Práticas Complementares de Bem-Estar (PCBE), que utilizam técnicas respiratórias e posturais, com objetivo de atingir a autorregulamentação da atenção. Essa prática busca a percepção do individuo sobre si e sobre o contexto e esse entendimento é um potencial gerador da sensação de “bem estar”.
A Inserção da Meditação na Medicina Integrativa
A Meditação / Mindfulness é prática integrada pela MI como instrumento que auxilia os tratamentos convencionais. Por meio das mais diversas técnicas, promovem benefícios no desenvolvimento psicológico, cognitivo, emocional e na sensação de “bem estar”, relatados por seus praticantes. Essas percepções em prática propiciam uma atenção plena, conscientização dos hábitos diários de vida e o autocuidado, ações fundamentais na promoção de saúde e na co-responsabilidadeterapêutica. A SBMI preza pela avaliação e o diagnóstico nosológico médico para as práticas complementares de bem estar e suas interfaces terapêuticas.
Integração Médica com a Meditação
A Meditação é uma prática complementar de bem-estar (PCBE) que consiste em buscar a focalização da atenção (processos atencionais), estimulando a consciência corporal e a respiração que podem trazer mais bem-estar físico, mental e emocional e no processamento de informação mental relacionado às habilidades cognitivas (Cardoso et al., 2004; Cardoso et al., 2008).
Sua origem tem como bases as filosofias tradicionais do Oriente, fazendo parte da filosofia e prática da yoga. É uma atividade secular que remonta a 5000 a.c. junto da yoga, amplamente citada nos Ioga Sutras de Patanjali. Muitas vezes está associada às filosofias e às religiões como o budismo e o hinduísmo, mas também apresenta referências ao cristianismo, ao judaísmo e ao islamismo (Tassis, 2018).
A partir da década de 60, ganhou notoriedade nas ciências médicas do ocidente através de pesquisas sobre seus efeitos fisiológicos e sua aplicabilidade na prática pessoal (Shapiro, Schwartz, Santerre, 2005).
As práticas meditativas segundo as definições científicas atuais podem ser divididas em duas vertentes principais: a concentrativa, quando ocorre o treino da atenção sobre um único foco, como a respiração, a contagem sincronizada, um mantra ou algum som, entre outros. Assim, sempre que ocorrer uma distração, o praticante deve retornar sua atenção ao foco. Já a mindfulness é caracterizada através da consciência da experiência do momento presente com uma atitude de aceitação, em que nenhum tipo de elaboração ou julgamento é utilizado. À medida que estímulos internos ou externos atingem a consciência de quem pratica, este simplesmente os observa e, assim como surgiram, deixa-os sumir, sem qualquer ruminação ou reflexão (Menezes CB, Dell’Aglio, 2009).
A Meditação pode ser considerada um estado de atenção plena, mais focado, muitas vezes associada à repetição de mantras. Consiste em práticas físicas e mentais, com uma variedade de tipos, frequências e durações, promovendo melhora da consciência corporal e da respiração, relaxamento e melhora da concentração. Entretanto, a prática meditativa não é inócua, por isso deve ser ensinada, prescrita e praticada seguindo preceitos técnicos básicos, minimizando assim possíveis malefícios (Menezes CB, Dell’Aglio, 2009). Por apresentar uma abordagem transpessoal, é uma poderosa ferramenta para atingir outros níveis de consciência (Walsh, Shapiro, 2006).
A Meditação já foi bastante referida e estudada por psicanalistas como Erich Fromm e Karen Horney, sendo associada e comparada à escuta flutuante que o psicanalista deve ter (Walsh, Shapiro, 2006). Também foi tema de estudo do médico psiquiatra e psicoterapeuta suíço Dr. Carl Jung, o qual acreditava que a Meditação era uma das formas de o sujeito acessar imagens arquetípicas; de Perls, que enfatizou a importância do aqui-e-agora (Walsh, Shapiro, 2006).
A técnica que Jung recomendava em seus tratamentos psicoterapêuticos é chamada de Imaginação Ativa. Tal situação aparece necessariamente quando pela análise dos conteúdos psíquicos, das atitudes, e principalmente dos sonhos, os motivos e as imagens do inconsciente – que são complementares ou respectivamente compensatórios, e com frequência até diretamente opostos tiverem sido mudados para conscientes, e a conscientização atingir tal ponto que o conflito aparentemente insolúvel entre a personalidade consciente e a inconsciente se torne manifesto, e desta forma também crítico (de Souza, 2004).
A investigação científica da Meditação parte do princípio de que, embora existam diversas técnicas, todas têm uma base fundamental em comum: o controle da atenção (Shapiro, Schwartz, Santerre, 2005).
O médico cardiologista da Universidade de Havard, Dr. Herbet Benson, foi um precursor nas pesquisas científicas sobre Meditação em 1968, correlacionando espiritualidade e saúde. Em 1970, ao lado de K. Wallace, realizou estudos sobre os efeitos fisiológicos relacionados ao bem-estar, fundando o Mind/Body Medical Institute, que desenvolveu um programa de Meditação de combate ao estresse, que impactou o meio acadêmico, abrindo espaço para a criação de outros centros de pesquisa desse tipo nos EUA (Toniol, 2015; Toniol, 2017). O primeiro livro publicado em 1975 pelo doutor Benson a respeito The Relaxation Response (2000) sistematiza os resultados de quase uma década de suas pesquisas iniciadas na década de 1960 sobre a possibilidade de práticas meditativas controlarem processos químico-fisiológicos do corpo (Toniol, 2015; Toniol, 2017).
O neurocientista e pesquisador Richard Davidson em seus estudos demonstrou que o sistema nervoso central poderia ser treinado através da prática da Meditação na ativação do córtex pré-frontal esquerdo em relação a maior capacidade de resiliência e no bem-estar psíquico em praticantes de longa-data (Menezes, Dell’Aglio 2009).
O médico ginecologista Dr. Roberto Cardoso, Mestre em Obstetrícia pela Universidade Federal de São Paulo e Chefe do Setor de Medicina Fetal do FEMME Laboratório da Mulher, em sua tese de Doutorado “Definição Operacional de Meditação e Efeitos Psicofísicos em Gestantes”, criou uma definição operacional de Meditação para grávidas a partir da análise dos efeitos da atividade em um grupo de voluntárias, tendo o reconhecimento de seu estudo com a publicação científica internacional na área, sendo uma referência médica brasileira nos estudos de Meditação.
No Brasil, grupos de pesquisas vêm desenvolvendo estudos na área de Meditação, como Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Há outros mais direcionados para a prática e a inserção da técnica no âmbito da saúde mental, como a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), onde é oferecido serviço terapêutico gratuito à população; e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de São Paulo (USP), que desenvolvem projetos de Meditação presenciais e virtuais gratuitamente.
O cardiologista Herbert Benson foi pioneiro nas pesquisas científicas que averiguaram a correlação entre espiritualidade e saúde a partir de 1968. Nos anos 1980, dedicou-se à investigação dos efeitos das terapias holísticas. Suas conclusões tiveram grande importância para a legitimação das medicinas e suas práticas integrativas (Toniol 2015). O cardiologista afirma que a espiritualidade e a fé fazem bem à saúde, conferem bem-estar e auxiliam no desenvolvimento de resiliência.
Nos anos 1970, junto com R. K. Wallace, realizou uma série de estudos sobre os efeitos fisiológicos da Meditação transcendental nos EUA (Menezes, Dell’Aglio, 2009). Nos estudos, constatou-se redução do consumo de oxigênio e reações psicofisiológicas capazes de reestabelecer o vigor e o equilíbrio entre corpo e mente (Máximo-Filho, 2011). Benson estendeu a pesquisa para praticantes ateus e especialistas de outras religiões – católicos, evangélicos, budistas –, observando efeitos positivos semelhantes (Toniol, 2015). Professor da Universidade de Harvard, Benson fundou o Mind/Body Medical Institute e desenvolveu um programa de combate ao estresse por meio de Meditação e outras técnicas de relaxamento (Toniol ,2015). Suas teorias impactaram o meio acadêmico, abrindo espaço para a criação de outros centros de pesquisa desse tipo nos EUA (Toniol, 2015). No final dos anos 1990, publicou um livro traduzido para o português com o título “Medicina espiritual: o poder essencial da cura”, cujas ideias foram muito comentadas em seminários brasileiros.
Nos anos 2000, estudos de Davidson constataram mudanças na estrutura do cérebro dos meditadores experientes (Menezes, Dell’Aglio 2009). O cérebro possuiria plasticidade e poderia ser treinado, modificado, pelo treino meditativo. Em especial, a habilidade de focar a atenção poderia ser desenvolvida por todos. O pesquisador concluiu que a Meditação ativa o córtex pré-frontal esquerdo, região relacionada aos afetos considerados positivos e à maior capacidade de resiliência.
Investigações de outros cientistas, baseadas em relatos dos praticantes, concluíram que existe acréscimo de afetuosidade e bem-estar psíquico na prática, resultando em melhoria da qualidade de vida, em especial entre meditadores de longa data (Menezes, Dell’Aglio 2009).
A partir de meados dos anos 2000, o número de pesquisas neurocientíficas sobre Meditação aumentou significativamente, principalmente sobre mindfulness (Davidson, Goleman 2017; Davidson, Kaszniak 2015).
A prática meditativa pode realmente auxiliar no controle desta função. Estudos utilizando tarefas comportamentais mostraram que o treino da Meditação pode modular mecanismos atencionais e aumentar a capacidade do processamento de informação mediante um maior controle da distribuição dos recursos. Também foi observado que a Meditação do tipo mindfulness pode influenciar a capacidade de alerta e atenção sustentada (Menezes, Dell’Aglio 2009).
São descritos benefícios psicológicos, mentais, físicos, espirituais e sociais, sendo predominantes os aspectos psicológicos e mentais (Menezes, Dell’Aglio 2009). Outros benefícios reportados em estudos científicos citam também efeitos favoráveis, como a diminuição do estresse, da ansiedade e da depressão; relaxamento mental e corporal; recuperação de doenças mentais e físicas e recuperação mais rápida em eventos negativos da vida; melhora do sono, da dor, nos relacionamentos e no autocuidado; elevação dos níveis de concentração, autocompaixão, bem-estar e felicidade (Viscardi et al., 2019).
No âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS brasileiro, a Meditação foi abordada pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) como um recurso terapêutico inserido no contexto das práticas corporais e meditativas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), estando voltada à focalização da atenção do indivíduo (Viscardi et al., 2019). Várias instituições oferecem cursos na área, entretanto, não existe uma regulamentação especificamente voltada a quem aplica as técnicas de Meditação.
Referências:
- Cardoso RDA. Definição operacional de meditação e repercussões psicofísicas em gestantes. 2008. 305 f. Dissertação (Doutorado) – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Departamento de Psicobiologia, São Paulo, 2008.
- Cardoso R, de Souza E, Camano L, Leite JR. Meditation in health: an operational definition. Brain Res Brain Res Protoc. 14(1):58-60, 2004.
- Cardoso RAD, Souza E, Camano L, Leite JR. Meditation for Health Purposes: Conceptual and Operational Aspects. In: Bernardo N. De Luca. (Org.). Mind-Body and Relaxation Research Focus. 1º Ed. New York: Nova Science Publishers, Inc., v. 1, p. 213-224, 2008.
- Davidson RJ, Goleman D. A ciência da meditação. Rio de Janeiro: Objetiva. 2017, 296 p.
- Davidson RJ, Kaszniak AW. Conceptual and methodological issues in research on mindfulness and meditation. American Psychologist. 70(7): 581-592 2015.
- De Souza FL. O Livro Vermelho de Jung: as polaridades da psique e as concepções de Deus. Amazon, 2004. 300 p. E-Book,
- Menezes CB, Dell’Aglio DD. Por que meditar? A experiência subjetiva da prática de meditação. Psicol. Estud. 14 (3): 565-573, 2009.
- Portaria nº 702 de 21 de março de 2018. (2018). Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares-PNPIC. Brasília, DF: Ministério da Saúde.
- Shapiro SL, Schwartz GE, Santerre C. Meditation and positive psychology. In: Snyder CR & Lopez SJ. Handbook of positive psychology. New York: Oxford USA Trade, 632-635, 2018.
- Tassis TP. O Yoga do eterno retorno: tempo e Tempo e Eternidade na Tradição do Yoga Clássico. 2018. 150 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2018.
- Toniol R. Do espírito na saúde: oferta e uso de terapias alternativas/complementares nos serviços de saúde pública no Brasil. 2015. 314 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
- Toniol R. Nova Era e saúde: balanço e perspectivas teóricas 27-41, 2017.
- Viscardi AA da F, Lecuona DS, Correia PM dos S, Marinho A. A meditação como ferramenta lúdica: potenciais e limites à promoção da saúde. J Manag Prim Health Care 10:e5, 2019.
- Walsh R, Shapiro SL. The meeting of meditative disciplines and Western psychology: a mutually enriching dialogue. Am Psychol. 61(3):227-39, 2006.