Com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) define a Medicina Unani Árabe, juntamente com a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e a Ayurveda como práticas tradicionais de medicina.
As Medicinas Tradicionais na Medicina Integrativa
A Medicina Integrativa classifica as Medicinas Tradicionais: Chinesa, Ayurveda e Unani e suas técnicas como Medicina Tradicional (MT), uma vez que seus métodos e técnicas apresentam uma singularidade nos resultados clínicos.
As metodologias científicas atuais requerem uma adaptação na linguagem, nas comparações fisiológicas e fisiopatológicas para uma compreensão maior da aplicabilidade da MT.
A MT colabora assim, de forma assertiva, com os tratamentos propostos pela Medicina Convencional, sendo usada por milhares de anos, com importantes contribuições no processo de prevenção e tratamento da saúde de diversas nações.
História
O termo Unani refere-se à antiga província grega de Jônia, situada onde hoje é a Turquia Ocidental. As raízes mais profundas deste tipo de medicina se encontram no conceito dos quatro elementos do corpo: água, terra, fogo e ar; assim como a ideia de que doenças ocorrem quando os estados físicos essenciais do corpo estão em desequilíbrio. Ao observar o pulso, respiração, olhos, urina e fezes, um médico pode entender o desequilíbrio e corrigi-lo com medicamentos e também com recomendações de descanso, terapias e mudanças na alimentação e hábitos pessoais.
Os primeiros tratados médicos de grande importância são de aproximadamente 500 a.C., o “Taxaraca-Samhita e Susruta-Samhita”, prováveis precursores do sistema Unani de medicina árabe. Foram a inspiração da medicina hipocrática grega. Tanto o trabalho de Hipócrates, quanto a prática de outros médicos greco-romanos, como Galeno, foi assimilado pelos Árabes, que recebiam e trocavam experiências, informações e dados culturais por meio das relações comerciais com outros povos.
A Medicina Árabe, chamada de Unani Tibb se sobressaiu entre os séculos IX e XIII. Polímatas como Albucasis, Razis, Al Kindi, Al Farabi, Averróis e, o mais famoso deles, Ibn Sina, conhecido no ocidente como Avicena, foram responsáveis pelos estudos e registros das práticas terapêuticas que avançaram a história da medicina, influenciaram desde a Europa e são aplicadas até hoje no Oriente Médio, Irã, Paquistão, Índia, Inglaterra, África do Sul, Bangladesh e China.
A Medicina Unani Árabe propõe que todas as formas de vida derivam de realidades cosmogônicas ou metafísicas, um aspecto que a medicina ocidental não atribui em sua formação. O objetivo dos tratamentos não é o sucesso imediato e efêmero, que não levaria em conta as reais causas do mal, mas os efeitos moderados e de longo alcance que exigem uma modificação do comportamento.
Medicinalmente, a Unani considera primeiramente os complexos de ervas com longa tradição em tratamentos de saúde, porém, ao contrário de outros métodos medicinais à base de ervas, os medicamentos Unani são produzidos a partir da planta inteira em vez do uso de extratos do ingrediente ativo.
Hoje, a Medicina Unani Árabe é praticada e ensinada da mesma forma como a medicina Ayurvédica, ou seja, como Medicina Tradicional. Seus centros de ensino estão localizados na Universidade de Aligarh e no Nemamiah Tibbi College da Universidade de Hyderabad, em Delhi.
As Medicinas Tradicionais são Inseridas na Medicina Integrativa
As Medicinas Tradicionais dispõe de um arsenal terapêutico milenar, o qual a MI integra aos tratamentos convencionais, extraindo excelentes resultados desta fusão de artes medicas seculares com o que há de moderno na medicina convencional, amplificando os tratamentos e proporcionando bem estar.
Esses sistemas tradicionais, que reúnem culturas, crenças e observações empíricas, revelados em um determinado período histórico, muitas vezes não encontram similaridade na demonstração dos seus resultados, quando se utiliza os métodos científicos cartesianos, para os quais prevalece o paradigma mecanicista. Nem por isso devem ser descartados diante dos resultados clínicos assistidos, quando a técnica tradicional é devidamente indicada.
A Medicina Integrativa ratifica em seus conceitos que não existe terapia inócua ao paciente. A aplicação de qualquer técnica convencional associada às demais, deve possuir um diagnóstico nosológico médico, que propicia a utilização de técnicas tradicionais com a segurança amparada no processo saúde-doença previamente estabelecido.
A Sociedade Brasileira de Medicina Integrativa entende a necessidade de formação técnica profissional para o discernimento da indicação, aplicação, encaminhamento e evolução clínica, na utilização das técnicas e práticas no modelo integrativo, resguardando, assim, possíveis agravos clínicos, riscos físicos e psíquicos do uso inadequado das terapias.
Integração Médica com a Medicina Unani
A Medicina Tradicional Árabe, com raízes na Grécia antiga, é embasada na medicina greco-árabe, na teoria humoral do médico Hipócrates (460-377 a.C) e nos ensinamentos de outros notáveis médicos como Galeno (130–201 d.C) (Saad, Azaizeh, Said, 2005; WHO, 2010). Prosperou e se estabeleceu nos impérios persa e árabe, por médicos como Rhazes (854–925 d.C), o polímata Avicena (980-1037 d.C), Al-Zahrawi (936-1013 dC) e Ibn al-Nafis (1210-1288 d.C), chegando ao subcontinente indiano através dos árabes em meados do século XIV (Saad, Azaizeh, Said, 2005; Said, 1983). A fase final do desenvolvimento começou no século XVI, quando europeus traduziram obras clássicas como o “Canon of Medicine” de Avicena e “The Comprehensive Book on Medicine” de Rhazes, entre outros (Al-Rawi e Fetters, 2012).
A medicina Unani é uma ramificação da Medicina Tradicional árabe, baseada principalmente nos princípios propostos por Hipócrates e Galeno (Al-Rawi e Fetters, 2012; WHO, 2010). Ao longo dos séculos, vários estudiosos árabes e persas contribuíram com conhecimentos, entre eles Avicena, filósofo e físico árabe, que escreveu Kitab-al-shifa (Livro da Cura) e o Cânone da Medicina. Este sistema, anteriormente conhecido como “Galenics”, mais tarde ficou conhecido como Unani Tibb, (Unani sendo a palavra árabe para “grego” e Tibb uma palavra árabe para “medicina”) (WHO, 2010).
Popular em países do sul da Ásia, abrange uma ampla gama de práticas que fazem parte do sistema de saúde de alguns países como Bangladesh, Índia, República Islâmica do Irã, Paquistão, entre outros, a prática Unani vem se difundindo mundialmente (WHO, 2010). Na Índia, o sistema foi desenvolvido cientificamente, alimentado e sistematicamente integrado ao sistema de prestação de cuidados de saúde ao longo dos anos. O sistema de medicina Unani também se beneficiou dos sistemas médicos nativos em voga na época em várias partes da Ásia Central. É por isso que esse sistema é conhecido, em diferentes partes do mundo, com diferentes nomes como Medicina Greco-Árabe, Medicina Ioniana, Medicina Árabe, Medicina Islâmica, Medicina Tradicional, Medicina Oriental etc (NPH, 2016).
A medicina Unani afirma que a doença é um processo natural e que os sintomas são as reações do corpo à doença (WHO, 2010). Compreende questões fisiológicas e psíquicas do indivíduo como uma constituição funcional de órgãos simples e complexos, temperamentos, regidos pelos elementos (Arkan): terra, ar, água e fogo e nutridos pelos humores (Akhlat): sangue (dam), fleuma (balgham), bile amarela (safra) e bile preta (sauda), que determinam os temperamentos (Mijaz): colérico, sanguíneo, melancólico, fleumático, associados e influenciados por fatores intrínsecos e extrínsecos: quente, seco, frio e úmido (Alam, Quamri, Sofi, 2020). Cada humor tem seu próprio temperamento: o sangue é quente e úmido; fleuma é frio e úmido; a bile amarela é quente e seca; e a bile preta é fria e seca (WHO, 2010).
Segundo Unani, se os quatro principais humores e os quatro temperamentos primários (quentes, frios, secos, úmidos) estão todos em um estado de equilíbrio mútuo, a pessoa é considerada saudável (WHO, 2010). Desta forma, humores equilibrados constituem saúde assim como o inverso causa doenças (contemporaneamente processo saúde- doença), e que a saúde pode ser preservada e mantida, desde que a qualidade geral dos humores esteja em harmonia com a qualidade geral do temperamento do indivíduo, considerando que o equilíbrio humoral é influenciado por fatores do estilo de vida, como ar ambiente, alimentação, atividade física, repouso, qualidade das emoções e sentimentos, sono e vigília, retenção de fluidos, evacuação de resíduos, sendo fatores que afetam a composição do temperamento (humor) do corpo (Alam, Quamri, Sofi, 2020). Como os humores apresentam uma relação próxima e uma influência direta sobre o estado de saúde de um indivíduo, é necessário que um médico praticante da Unani leve em consideração todos esses fatores para chegar a um diagnóstico correto e decidir como tratar a doença (WHO, 2010).
Trata-se de um sistema médico abrangente, que lida meticulosamente com os diversos estados de saúde e doença. Não é apenas a ciência original da medicina, mas também uma rica casa de armazenamento de princípios e filosofias da medicina que pode ser de imenso valor para a medicina em particular e a ciência em geral. (NPH, 2016). Oferece cuidados para promoção de saúde, prevenção, reabilitação e tratamento. Os fundamentos, as modalidades de diagnóstico e tratamento do sistema baseiam-se em princípios científicos e conceitos holísticos de saúde e cura. Assim, considera o indivíduo em relação ao seu ambiente e enfatiza a saúde do corpo, da mente e da alma. (NPH, 2016). O temperamento (Mizaj) de um paciente é de grande importância no diagnóstico e tratamento de doenças. O temperamento também é levado em consideração para identificar a dieta e o estilo de vida mais adequados para promover a saúde de um determinado indivíduo (NPH, 2016).
As práticas terapêuticas dessa medicina tradicional, segundo uma visão atual compreendem práticas terapêuticas convencionais, não convencionais e práticas complementares de bem-estar com foco no preventivo e terapêutico. A integração semiológica e investigativa do sistema Unani passa pela convencionalidade das técnicas ocidentais, transitando pelos conhecimentos orientais, como a pulsologia na busca pelo diagnóstico e sua propedêutica. Terapias convencionais e não convencionais constituem o arsenal terapêutico, abrangendo o uso de fitoterapia, banhos termais (hammam), exercícios físicos (karat), massagens (dalak), dietoterapia (llaja-bi-ghiza), sangrias (amat-e-kai), incluindo a fármacos convencionais e as intervenções cirúrgicas chamadas de ilaj-bil-yad, venosecção (fasad), ventosaterapia (hihama), utilização de sanguessugas, entre outros. A terapia dietética Unani regula a quantidade e a qualidade dos alimentos para tratar ou modular determinadas patologias. (WHO, 2010). A farmacoterapia Unani utiliza medicamentos de ocorrência natural, principalmente de origem vegetal, animal e mineral. A fisioterapia dentro da prática Unani utiliza técnicas específicas de exercícios para ajudar a equilibrar a homeostase corporal (WHO, 2010).
A medicina ocidental em seu processo de desenvolvimento sofreu influências diretas da Medicina Tradicional Árabe e Unani que demonstrou a relevância da experiência sobre a doutrina e a evolução da prática médica junto aos conceitos filosóficos para uma compreensão maior do adoecimento humano. E não somente na construção do raciocínio diagnóstico: várias tecnologias foram assimiladas, como aplicações práticas de descobertas árabes em bioquímica, fisiologia, fitoterapia, além de novas tecnologias e metodologias para diagnóstico e tratamento (Saad, Azaizeh, Said, 2005).
Os principais Institutos de ensino em Medicina Unani se encontram na Índia a Faculdade de Medicina em Pune e o Instituto Nacional de Medicina Unani (NIUM), entidade privada que desenvolve pesquisa e treinamento com atendimentos hospitalares nesta área. No Paquistão, as referências da Unani se encontram na Universidade Islamia e Hamdard University, cujas bases curriculares e diretrizes na formação educacional médica e registro são regularizadas pelo Conselho Nacional de Tibb (NIUM, 2015).
No Brasil, não há um centro de ensino e pesquisa específico em na área, sendo comum que alguns conceitos sejam repassados em centros de Ayurveda. A médica Dra. Iracema de Almeida Benevides autoridade em Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICS), participou do “Benchmarks for Training in Unani Medicine (2010)”, realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo uma das responsáveis pela integração da Medicina Tradicional no Sistema Nacional de Saúde.
Na UNIFESP, é oferecido o Curso de Especialização em Teorias e Práticas em Cuidados Integrativos da Unifesp – EPM. No curso, os conceitos sobre a Medicina Unani Tibb são repassados pela Professora convidada Prof. Dra. Anaíse R. Andrade Shigue, que possui conhecimentos por tradição familiar e é fundadora do Instituto Movimento Soror (https://www.movimentosoror.com/quem-somos), em que é oferecido o método terapia integrativa Ayurvedance , em que os pilares de Saúde da Mulher (nutrição, movimento e desaceleração) são praticados através da prática da dança oriental árabe (dança do ventre) como ferramenta de movimento aplicado aos conceitos das medicinas tradicionais orientais (Ayurveda e Unani) e das descobertas mais recentes das Neurociências.
Fontes
- Ministério da Saúde
- WHO 2002Plantas
- MedicinaisEncyclopedia Britannica
- Festival da Cultura Árabe
- Ecovisones
- Aramaco World
- Alam MA, Quamri MA, Sofi G. Understanding hormones in terms of humours (Akhlat) in Unani system of medicine. J Complement Integr Med. 31;18(3): 459-467, 2020.
- Al-Rawi S, Fetters MD. Traditional Arabic & Islamic Medicine: A Conceptual Model for Clinicians and Researchers. Global Journal of Health Science 4(3): 164-169, 2012.
- Saad B, Azaizeh H, Said O. Tradition and perspectives of arab herbal medicine: a review. Evid Based Alternat Med, 2(4), 475-479, 2005.
- Instituto Nacional de Medicina Unani (NIUM), 2015. Disponível em:< http://www.nium.in/ >. Acesso em: 24 out 2021.
- NHP National Health Portal India. Unani, 2016. Disponível em: Acesso em: 24 out 2021.
- Saad B, Azaizeh H, Said O. Tradition and Perspectives of Arab Herbal Medicine: A Review. eCAM 2(4)475–479, 2005.
- Said HM. Unani tibb no Paquistão. Saúde Mundial, 13-15, 1983. Organização Mundial da Saúde. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/333014/WH-1983-Jun-p13-15-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 24 out 2021.
- WHO World Health Organization. Benchmarks for training in traditional /complementary and alternative medicine: Benchmarks for training in Unani medicine. World Health Organization, Geneva; 2010. Disponível em: https://www.who.int/medicines/areas/traditional/BenchmarksforTraininginUnaniMedicine.pdf?ua=1. Acesso em: 24 out 2021.