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Homeopatia

A Medicina Integrativa (MI) classifica a Homeopatia como uma Terapia Convencional (TC), visto ser uma especialidade médica homologada pelo Conselho Federal de Medicina e a sua aplicabilidade estar vinculada a um diagnóstico nosológico médico integrado, que extrapola a terapêutica clássica buscando, além do tratamento físico e lesional, as suas confluências psico-emocionais.

A Inserção da Homeopatia na Medicina Integrativa

A Homeopatia em seu contexto semiológico, com sua anamnese enriquecida com recursos que permitem uma repertorização que contribui com peculiaridades que vão além do diagnóstico nosológico médico, buscando os fatores desencadeantes da doença, possibilita uma tratativa com maior amplitude para as diversas terapias integradas pela MI. A SBMI, em seu modelo integrativo, defende a especialização em Homeopatia para que o profissional tenha o conhecimento necessário para integrar a farmacopeia homeopática nas prescrições, atendendo à atenção primária, secundária, terciária e à promoção de saúde com os rigores previstos nas legislações, evitando assim a lesionabilidade iatrogênica pela falta de conhecimento homeopático.

Integração Médica com a Homeopatia

A Homeopatia, do grego homoios = similar e pathos = sofrimento, baseia-se no princípio da Lei da Semelhança, onde as substâncias existentes na natureza (de origem mineral, vegetal e animal) têm a potencialidade de curar os mesmos sintomas que são capazes de produzir. A teoria de cura pelo semelhante tem sua origem em Hipócrates (460-377 a.C.), estudada pelo médico Dr. Philipus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim, mais conhecido como Paracelso (1493-1541), que demonstrou em seus estudos a diferença singular na propriedade terapêutica das substâncias, eternizada em sua teoria com a célebre frase “Todas as substâncias são venenos, não existe nada que não seja venenoso, somente a dose correta diferencia o veneno do remédio” (Corrêa, Siqueira-Batista, Quintas, 1997).

A teoria de “cura pelo semelhante” tendo como base a Lei da Semelhança fundamentou as propriedades homeopáticas codificadas pelo médico alemão Dr. Samuel Hahnemann, criador da Homeopatia. Em 1790, ele desenvolveu a metodologia aferindo doses extremamente diluídas de substâncias que, através de técnicas de diluição, dinamização e sucussão, possibilitaram a disposição de propriedades ativas desses insumos, sem a toxicidade da “tintura mãe” ou da matriz do elemento. A resultante desse processo disponibilizaria o princípio terapêutico do medicamento a ser utilizado para os mais diversos tratamentos homeopáticos (Corrêa, Siqueira-Batista, Quintas, 1997; Teixeira, 2017).

Assim, observa-se na Homeopatia dois princípios, o primeiro, de que uma substância que pode causar sintomas em uma pessoa saudável possivelmente pode estimular a autocura em uma pessoa com uma doença apresentando sintomas semelhantes (Merrell, Shalts, 2002). O segundo princípio, das diluições, estipula que uma substância, mesmo diluída, mantém a sua atividade biológica. Para obtenção de medicamentos homeopáticos com mais potência, uma parte da substância é diluída em 99 partes do diluente e agitada 100 vezes – processo chamado de dinamização. Quanto mais dinamizada (maior número de diluições), maior é a potência do medicamento (Merrell, Shalts, 2002).

A Homeopatia é um tratamento adjuvante complementar que fortalece a relação paciente-médico, pois o médico deve ter o conhecimento do todo, ou seja, de todo o histórico do paciente e estado de saúde físico e psicológico (Teixeira, 2017). A anamnese consiste em analisar todas as queixas do paciente, abordando características da personalidade, estilo de vida e reatividade a eventos emocionais e físicos: o paciente é avaliado em sua totalidade, de forma individual (Merrell, Shalts, 2002). O tratamento homeopático originalmente era baseado na teoria vitalista. Semelhante à Ayurveda e à Medicina Tradicional Chinesa, a Homeopatia enfatiza o potencial de auto-cura do corpo humano e a conexão estreita entre mente e corpo. A doença é resultado de um desequilíbrio da força vital e a restauração do equilíbrio (cura) dependerá de um remédio adequadamente prescrito (Merrell, Shalts, 2002).

Estima-se que 500 milhões de pessoas utilizem tratamento homeopático mundialmente (Pustiglione, Goldenstein, Chencinski, 2017). Dados da National Health Interview Survey dos EUA analisados ​​por uma equipe de Harvard mostram que cerca de 7 milhões de americanos usam homeopatia anualmente, com um crescimento constante. A utilização ocorre, particularmente, para problemas respiratórios e de ouvido (Dosset et al., 2016).

A despeito de polêmicas e teorias sobre os mecanismos e funcionamento do tratamento homeopático, o tratamento por homeopatas e o fornecimento de medicamentos homeopáticos permanecem populares, sendo fornecidos e/ou subsidiados por vários governos em todo o mundo, como na Índia, que tem cerca de 300.000 praticantes de Homeopatia; a França, onde 43,5% dos prestadores de cuidados de saúde prescrevem medicamentos homeopáticos (a maioria co-prescritos com medicamentos alopáticos) e o Reino Unido, onde a homeopatia vem sendo fornecida pelo NHS (National Health Service) desde sua criação, em 1948. A homeopatia é oferecida nos sistemas de saúde públicos da Índia, Reino Unido, Itália, Alemanha, Suíça, Índia, Paquistão, México e Brasil (Pustiglione, Goldenstein, Chencinski, 2017).

A Homeopatia foi trazida para o Brasil em 1841 pelo francês Benoit-Jules, fundador da Escola Homeopática do Rio de Janeiro. Em 1842, foi inaugurado o Instituto Homeopático de Saí (Santa Catarina) e abre-se a primeira farmácia homeopática do Rio de Janeiro (fundada por Benoit-Jules e João Vicente Martins). Três anos após, foi a Escola Homeopática do Brasil, sob a direção de João Vicente Martins, sendo substituída pela Academia Médico-Homeopática do Brasil em 1847 (Corrêa, Siqueira-Batista, Quintas, 1997). Posteriormente, propagou-se pelas mãos dos discípulos de Mure, e foi abraçada pelo movimento positivista em fins do século XIX. Na República, a Homeopatia ganhou força institucional, tanto na sua prática, como no seu ensino e, partir da década de 1930, a Homeopatia gradativamente perdeu força e importância, quando, em 1970, despertou com as ideias libertárias da época (CRF-SP, 2019).

Em 1966, foi estabelecida a obrigatoriedade da inclusão da Farmacotécnica Homeopática nas faculdades de Farmácia do Brasil e em 1977 foi publicada a primeira edição oficial da Farmacopeia Homeopática Brasileira. Em 1980, a Homeopatia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade médica (Corrêa, Siqueira-Batista, Quintas, 1997). O desenvolvimento científico e político culminou para a posição de Prática Complementar pelas políticas de saúde brasileiras, com a implantação do Programa Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) em 2006 (CRF-SP, 2019).

Desde a sua aprovação, a PNPIC foi um incentivo, entretanto ainda há um longo caminho a trilhar para que, de fato, a Homeopatia seja acessível aos pacientes do SUS. Dificuldades como a preferência da pelos medicamentos alopáticos e ao “hospitalocentrismo”; falta de organização dos homeopatas em tornar conhecida a Homeopatia e buscar instituições públicas como campo de trabalho; descrença sobre a efetividade e o custo/benefício da atenção em Homeopatia; falta de percepção dos gestores em ter o Homeopata como médico da família ou inserido nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e desconhecimento da racionalidade homeopática ainda são obstáculos a serem transpostos (Galhardi, Barros, Leite-Mor, 2012).

No Brasil, a Homeopatia é uma especialidade médica reconhecida pela Associação Médica Brasileira (AMB) e Conselho Federal de Medicina, sendo representada pela Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB). Aproximadamente 20.000 profissionais de saúde atuam com Homeopatia no Brasil e se estima haver 10 milhões de usuários no país. São promovidos cursos na área para profissionais pela AMHB, que podem submeter-se à um exame de proficiência da associação para obtenção do título de Especialista em Homeopatia. Atualmente, existem cerca de vinte associações de representação médico-homeopáticas filiadas à AMHB e em torno de dez farmacêuticas de abrangência nacional, sendo realizados cursos regulares de formação em Homeopatia em várias dessas afiliadas. Uma delas, a APH (Associação Paulista de Homeopatia), promove um curso de Pós-graduação Lato Sensu em Homeopatia e suporta o Departamento Científico de Homeopatia desde 1991.

Com o intuito de expor os resultados favoráveis dessa abordagem terapêutica o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) publicou um dossiê em 2017 intitulado “Evidências Científicas em Homeopatia”. As evidências científicas sobre a eficácia e segurança foram apresentadas, baseadas’ em resultados de estudos experimentais e clínicos, de forma a desmistificar quaisquer dúvidas sobre a prática homeopática (Teixeira, 2017). Além das iniciativas das sociedades e Conselho Regional de Medicina, destaca-se a pesquisa e ensino realizada por universidades.

Algumas instituições de ensino são pioneiras no ensino de Homeopatia no país. Em 2004, foi inaugurado o Programa de Residência Médica em Homeopatia no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG – UNIRIO). Em 2016, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul passou a oferecer programa de residência médica em Homeopatia. A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro conta com a Homeopatia na grade curricular da graduação médica, por onde passaram Flávio Dantas e Helio Teixeira (Minas Gerais), Helio Bergo (Espírito Santo), Ana Tereza Dreux Mariani, Cláudio Araújo, Francisco Caixeta e Antonio Carlos Silva Oliveira (Rio de Janeiro) e Marcelo Pustiglione (São Paulo), cujas atuações na prática homeopática se destacam em seus respectivos estados de origem (Pustiglione, Goldenstein, Chencinsk, 2017).

Até 2018, foram desenvolvidos e catalogados no banco de teses e dissertações da CAPES 434 trabalhos de pós-graduação no país, sendo 131 de doutorado, apresentando como tema homeopatia (Waisse, 2019). As áreas do conhecimento foram as mais diversas, caracterizando iniciativas inter e multidisciplinares, entretanto, com preponderância na área da saúde. Quanto à distribuição por instituição de ensino, as regiões sul e sudeste se destacam, sendo que as escolas de Minas Gerais e do Paraná apresentaram maior preponderância. Somente na Universidade Federal de Viçosa, MG, foram defendidos 64 trabalhos, em quase sua totalidade, na área de Fitotecnia/Produção Vegetal (Waisse, 2019).

No Paraná, as Profas. Dras. Dorly Freitas Buchi (UFPR) e Silvana Marques de Araújo (UEM) apresentam linhas de pesquisa em Homeopaia. A Profa. Buchi, desenvolveu pesquisa em morfologia, citologia e biologia celular, enquanto o grupo da Profa. Marques de Araújo, farmacêutica, vem desenvolvendo trabalhos publicados internacionalmente sobre a doença de Chagas e a toxoplasmose (Waisse, 2019).

Destacam-se ainda outras iniciativas acadêmicas, como as desenvolvidas pelos médicos homeopatas Rubens Dolce Filho, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Marcus Zulian Teixeira na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), onde é coordenador e professor da disciplina optativa Fundamentos da Homeopatia, destacando-se atualmente no cenário nacional em publicações sobre o tema (Pustiglione, Goldenstein, Chencinsk, 2017).

Na Universidade Paulista (UNIP), o grupo da Profa. Dra. Leoni V. Bonamin, Médica Veterinária e professora titular na UNIP e Vice Editora da revista Homeopathy, já publicou 15 trabalhos (Waisse, 2019). Em sua jornada acadêmica, vem abordando os efeitos anti-inflamatórios in vitro de alguns medicamentos homeopáticos.

Outros pesquisadores bem-conceituados, sendo inclusive membros de grupos internacionais de pesquisa (Europa e América do Sul), são o Dr. Flávio J. Dantas de Oliveira (Professor Titular no Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Uberlândia e Visitante na Disciplina de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo) e Silvia I. Waisse (professora na pós-graduação em história da ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) (Pustiglione, Goldenstein, Chencinsk, 2017).

Também se destaca na área o Dr. Paulo Rosenbaum, que é autor de livros de Homeopatia, sendo pesquisador associado do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.

Waisse em 2019 apresentou um panorama da pesquisa clínica no país. Embora seja foco de várias linhas de pesquisa, a autora ressaltou que foram conduzidos apenas 8 ensaios clínicos randomizados controlados (placebo ou outro tratamento) sobre Homeopatia no Brasil, indicando a necessidade de maior investimento e disponibilidade institucional.

Na pesquisa internacional sobre Homeopatia observa-se um maior número de revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados, com resultados contraditórios. Entretanto, pode-se afirmar que, dentre as principais revisões sistemáticas, observa-se um benefício do tratamento homeopático sobre o placebo, considerando todas as formas de homeopatia e o amplo espectro de condições médicas que foram pesquisadas (Ullman, 2021).

Pode-se citar alguns centros no exterior que apresentam experiência histórica na pesquisa sobre Homeopatia, como Homeopathy Research Institute, Faculty of Homeopathy no Reino Unido, onde se destacam os trabalhos de Rachel Roberts, e ainda The Royal Homoeopathic Hospital of London, no qual Peter Fisher é médico e pesquisador, tendo publicado um artigo conhecido sobre memória da água (Pustiglione, Goldenstein, Chencinsk, 2017).

Na Alemanha, destaca-se WissHom – Wissenschaftliche Gesellschaft für Homöopathie – Scientific Society for Homeopathy e Institut für Geschichte der Medizin, Robert Bosh Stiftung, este último casa do célebre pesquisador Thomaz Genneper (Pustiglione, Goldenstein, Chencinsk, 2017).

Na Suécia, o Prof. Dr. Alexander Tournier é diretor do Institute for Research into Complementary Medicines (IKIM), que faz parte da Universidade de Berna e integra medicina convencional e complementar em pesquisa, ensino e atendimento clínico. O Dr. Tournier é um homeopata condecorado, cujo trabalho culminou com a fundação do Homeopathy Research Institute em 2007, apresentando trabalhos que apresentam enfoque nas relações entre biologia, física e matemática.

Na França, na Universidade Montpellier I, os Professores Jacques Benveniste e Madeleine Bastide são figuras históricas nos estudos nas áreas de Imunologia e homeopatia (Pustiglione, Goldenstein, Chencinsk, 2017). A Dra. Madeleine, Farmacêutica, publicou no início dos anos 1980 uma série de estudos sobre os efeitos de diluições ultra-altas de citocinas e hormônios do timo sobre o desempenho imunológico de animais, fundando em 1986 o GIRI (Groupe International de Recherche sur l’Infinitésimal) para promoção de seminários em Medicina Alternativa (Bastide, Bonamin, Lagache, 2007). Já O Prof. Dr. Jacques Benveniste ficou famoso mundialmente por descobrir o fator de agregação plaquetário (PAF) e ter publicado na Nature um trabalho sobre a memória da água em altas diluições, o que chamou posteriormente de “biologia digital”: a informação molecular mantida pela água e transmitida por sinais eletromagnéticos (Watts, 2004).

A International Homeopathic Medical League LMHI representa médicos homeopatas em mais de 70 países em todo o mundo, com sede na Holanda. Os objetivos da associação são o desenvolvimento e a garantia da homeopatia em todo o mundo e a criação de um vínculo entre homeopatas licenciados com diplomas médicos e sociedades e pessoas interessadas em homeopatia. O LMHI é dedicado exclusivamente a atividades sem fins lucrativos que atendem a benefícios filantrópicos. Na Itália, existe a Italian Federation of Homeopathic Associations and Homeopaths FIAMO.

Referências:

  • Bastide JM, Bonamin LV, Lagache A. Madeleine Bastide. Homeopathy 96(04): 287-289, 2007.
  • Corrêa AD, Siqueira-Batista R, Quintas LEM. Similia Similibus Curentur: notação histórica da medicina homeopática. Revista da Associação Médica Brasileira 43(4): 347-351, 1997.
  • CRF-SP – Comissão Assessora de Homeopatia Homeopatia, 3° edição, 2019. Disponível em: <http://www.crfsp.org.br/images/cartilhas/homeopatia.pdf>. Acesso em: 02 nov 2021.
  • Dossett, M, Davis, R.B, Kaptchuk, T.J, Yeh, G.Y. Homeopathy Use by US Adults: Results of a National Survey. American J Public Health.106: 743–745, 2016.
  • Galhardi WMP, Barros NF, Leite-Mor ACMB. A homeopatia na rede pública do Estado de São Paulo: facilitadores e dificultadores. Rev bras med fam comunidade 7(22): 35-43, 2012.
  • Merrell WC, Shalts E. Homeopathy. Medical Clinics of North America 86(1): 47–62, 2002.
  • Pustiglione M, Goldenstein E, Chencinski YM. Homeopatia: um breve panorama desta especialidade médica. Revista de homeopatia 80 (1/2):1-17, 2017.
  • Relton C, Cooper K, Viksveen P, Fibert P, Thomas K. Prevalence of homeopathy use by the general population worldwide: a systematic review. Homeopathy 106(2):69-78, 2017.
  • Teixeira MZ. Scientific basis of the homeopathic healing principle in modern pharmacology. Revista de Homeopatia 80: 36-81, 2017.
  • Teixeira, MZ. Special Dossier: “Scientific Evidence for Homeopathy”. Rev. Assoc. Med. Bras. 64(2):93-94, 2017.
  • Waisse S. Teses e dissertações sobre a homeopatia defendidas no Brasil. Revista de Homeopatia 82 (3/4): 1-3, 2019.
  • Watts G. Jacques Benveniste. BMJ. 27;329(7477):1290, 2004.
  • Ullman D. An Analysis of Four Government-Funded Reviews of Research on Homeopathic Medicine. Cureus 13(6): e15899, 2021.