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A Meditação Transcendental para prevenção do Burnout entre profissionais de saúde 

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A Síndrome de Burnout é uma resposta individual ao estresse crônico em consequência de certas características das atividades exercidas no trabalho, que se desenvolve progressivamente e pode eventualmente se tornar crônica, causando modificações na saúde (Leddy, 2022). O estado psicológico do paciente é alterado, causando danos cognitivos, emocionais e de atitudes, com sensação de esgotamento físico e emocional que se reflete em um comportamento negativo em relação ao trabalho, colegas e ao próprio profissional (Edú-Valsania; Laguía; Moriano, 2022).  

De acordo com Christina Maslach, o burnout é definido por três pilares (Maslach et al., 1996 apud Leddy, 2022): 

  1. Despersonalização: insensibilidade e ver os outros como objetos; 
  1. Ineficácia: sensação diminuída de realização e sensação de que nenhuma atividade realizada tem importância; 
  1. Exaustão emocional: estar sobrecarregado, esgotado e incapaz de atender às demandas. 

Como sintomas típicos, pode-se citar dores de cabeça, tensão muscular, problemas com o sono, sensação de sobrecarga, irritabilidade, perda de paciência, sensação de apatia ou reclamações excessivas, sensação de esgotamento após o trabalho e não querer ir trabalhar na segunda-feira (Leddy, 2022). A saúde mental no trabalho é afetada, de forma que o indivíduo não é mais capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. 

O profissional de saúde apresenta um risco particular para Burnout, podendo interferir não somente no próprio bem-estar, mas também na qualidade do atendimento prestado (Brindley et al., 2019). Pode haver consequências pessoais negativas significativas, como abuso de substâncias, relacionamentos abusivos e até suicídio, mas também consequências profissionais importantes, como menor satisfação do paciente e qualidade prejudicada do atendimento, levando a erros médicos, o que gera custos substanciais para cuidadores e hospitais em decorrência de processos por imperícia (De Hert, 2020). 

A área da saúde é a mais estudada em relação à Síndrome de Burnout, e para a qual observa-se alta incidência, sendo relatado em um terço a metade dos médicos e enfermeiros, especialmente nas especialidades de cuidados agudos.  Há também relatos de que as taxas de suicídio podem ser 2-3 vezes maiores entre profissionais de saúde do que para a população em geral (Brindley et al., 2019). 

Devido à ausência de uma definição oficialmente aceita da Síndrome de Burnout, sua origem multifatorial e a imprecisão e subjetividade dos critérios diagnósticos, é difícil obter uma visão clara e correta da sua prevalência em uma população geral. Estimativas relatam valores de até 20% da população trabalhadora, mas o número depende fortemente dos valores de corte para definir o Burnout grave (De Hert, 2020). 

A complexidade da interação entre fatores externos e internos no desenvolvimento do burnout ressalta a importância de uma abordagem multifatorial na prevenção e no tratamento da síndrome. Há a necessidade de implementação de medidas no ambiente de trabalho e o desenvolvimento e implementação de estratégias individuais de enfrentamento (De Hert, 2020), para . 

Abordagens para o tratamento da síndrome de Burnout devem ser orientadas pela severidade dos sintomas. Medidas podem ser tomadas, como a mudança de hábitos de vida e a otimização do equilíbrio trabalho-vida pessoal, recuperação via relaxamento e esporte, e “retorno à realidade” em termos de abandonar as ideias de perfeição, promovendo o alívio dos estressores (De Hert, 2020). 

Várias estratégias de bem-estar podem ser aplicadas para lidar com os sintomas do Burnout, como focar-se nos relacionamentos, práticas espirituais, adoção de uma filosofia de vida específica, mudanças de atitude em relação ao trabalho e práticas de autocuidado, em que um indivíduo cultiva ativamente interesses pessoais e autoconsciência, além de responsabilidades profissionais e familiares. Isso também implica a busca ativa de ajuda profissional em caso de problemas físicos e psicológicos pessoais ou doenças. Como exemplos dessas práticas pode-se citar exercícios, atividades de autoexpressão, nutrição e sono adequados, cuidados médicos regulares, aconselhamento profissional, entre outros (De Hert, 2020).  

Se os sintomas de Burnout forem graves, recomendam-se intervenções psicoterapêuticas ou medicamentosa com antidepressivos e ansiolíticos, de preferência combinados com psicoterapia (Korczak, Wastian, Schneider, 2012). Existem várias terapias para o tratamento do burnout, mas todas com evidências de eficácia pouco claras (De Hert, 2020). 

Durante a pandemia por COVID-19, o Burnout na área da saúde foi evidenciado de forma contundente. Em uma revisão de abril de 2020 foram relatados níveis moderados a graves de sintomas depressivos e ansiedade em 16%-28% da população em geral e da equipe médica em resposta à pandemia por COVID-19 (Rajkumar, 2020).  

O impacto na saúde mental causado pela pandemia por COVID-19 expôs a necessidade de atividades preventivas contra o Burnout, que pudessem ser executadas pelos pacientes e profissionais de saúde de forma independente e contínua.  

Já foi demonstrado que a meditação transcendental é efetiva na redução dos sintomas do transtorno de estresse pós-traumático em veteranos de guerra (Herron e Rees, 2018), na redução de sintomas de estresse e Burnout em professores e em estudantes (Elder et al., 2014), entre outros exemplos. A meditação tem se mostrado uma ferramenta importante para a prevenir a piora da saúde mental (Geen et al., 2021), com um número crescente de estudos cujos resultados são promissores para prevenção e controle da Síndrome de Burnout. 

A meditação transcendental é um método simples e natural para estabelecer um descanso pacífico e profundo, uma intervenção mente-corpo não farmacológica que demonstrou reduzir a estimulação simpática e promover um estado de relaxamento, ao mesmo tempo em que há plena consciência mental. A técnica foi trazida para o oeste pelo indiano Maharishi Mahesh Yogi, tornando-se popular na década de 1960 (Mosini et al., 2019).  

Apesar de o mecanismo de ação não ser totalmente compreendido, a aplicação de neurociência para determinação dos processos envolvidos trouxe algumas informações importantes. Sabe-se que há maior estimulação nas ondas alfa nas áreas pré-frontal e temporal, que estão relacionadas à concentração, senso de responsabilidade social e tomada de decisão. Há redução dos níveis de estresse e ansiedade, o que pode ser explicado pela diminuição significativa dos níveis de cortisol e noradrenalina, juntamente com o aumento das concentrações de dopamina plasmática de dopamina e serotonina, o que explicaria a redução da frequência cardíaca e respiratória, alterações na pressão arterial, frequência respiratória, motilidade e funcionamento do sistema gastrointestinal, melhor memória, diminuição da ansiedade e melhora na sensação de bem-estar (Mosini et al., 2019). 

Recentemente, a Dra. Sangeeta Joshi e colegas, da divisão de pneumologia, alergologia e terapia intensiva da Duke University, nos Estados Unidos realizaram um estudo multicêntrico randomizado, mostrando que, em comparação com outras intervenções, a meditação transcendental pode melhorar significativamente os sintomas do Burnout (Sageeta et al., 2022).  

O estudo incluiu 80 participantes elegíveis, que foram aleatoriamente designados para realizar a meditação transcendental ou receber o tratamento convencional. Os participantes no primeiro grupo foram orientados a comparecer a quatro sessões de introdução à meditação transcendental durante quatro dias consecutivos e então a quatro sessões virtuais de acompanhamento realizadas ao longo de três meses. No grupo da meditação, os participantes foram orientados a meditar em casa por 20 minutos duas vezes por dia. Os seguintes questionários foram utilizados para avaliar os sintomas dos pacientes ao início do estudo e três meses depois: Brief Symptom Inventory–18 (BSI), Maslach Burnout Inventory (MBI), Patient Health Questionnaire–9 (PHQ-9), Generalized Anxiety Disorder–7, Insomnia Severity Index (ISI) e Connor Davidson Resilience Scale (CD-RISC)–25.  

Após três meses, houve melhora significativa em relação ao início do estudo no grupo da meditação transcendental versus tratamento convencional nos itens de exaustão emocional (P = 0,005), insônia (P = 0,029) e ansiedade (P = 0,010) do MBI. Houve uma tendência de significância no PHQ-9 (P = 0,057), sem diferença significativa no Global Severity Index. Em relação ao sofrimento psíquico agudo, não houve efeito significativo.  Os resultados sugerem que a meditação transcendental é uma intervenção viável e eficaz para prevenção de Burnout entre os profissionais de saúde.  

Referências: 

Brindley PG, Olusanya S, Wong A, Crowe L, Hawryluck L. Psychological ‘burnout’ in healthcare professionals: Updating our understanding, and not making it worse. Journal of the Intensive Care Society. 20(4):358-362 2019. 

De Hert S. Burnout in Healthcare Workers: Prevalence, Impact and Preventative Strategies. Local Reg Anesth. 13:171-183, 2020.  

Edú-Valsania S, Laguía A, Moriano JA. Burnout: A Review of Theory and Measurement. Int J Environ Res Public Health. 19(3):1780, 2022. 

Elder C, Nidich S, Moriarty F, Nidich R. Effect of transcendental meditation on employee stress, depression, and burnout: a randomized controlled study. Perm J. 18(1):19-23, 2014.  

Green J, Huberty J, Puzia M, Stecher C. The Effect of Meditation and Physical Activity on the Mental Health Impact of COVID-19–Related Stress and Attention to News Among Mobile App Users in the United States: Cross-sectional Survey JMIR Ment Health 8(4):e28479, 2021. 

Herron RE, Rees B. The Transcendental Meditation Program’s Impact on the Symptoms of Post-traumatic stress disorder of Veterans: An Uncontrolled Pilot Study. Mil Med. 183(1-2):e144-e150, 2018.  

Joshi S, Vaishnavi S, Brucker A, Taylor A, Jessica S, Harshbarger T, Chow S, Lee P. Targeting Healthcare Provider Burnout During the COVID-19 Pandemic. American Thoracic Society (ATS) 2022 International Conference:  Abstract A3690. Apresentado em 17 de maio de 2022. Disponível em: <https://www.atsjournals.org/doi/pdf/10.1164/ajrccm-conference.2022.205.1_MeetingAbstracts.A3690>. Acesso em: 02 julho 2022. 

Leddy M. Thriving, Not Just Surviving: Recognizing Burnout and Simple Tips to Start Feeling Better. J Adv Pract Oncol. 13(3):209-212, 2022.  

Mosini AC, Saad M, Braghetta CC, Medeiros R, Peres MFP, Leão FC. Neurophysiological, cognitive-behavioral and neurochemical effects in practitioners of transcendental meditation – A literature review. Rev Assoc Med Bras (1992) 65(5):706-713, 2019. 

Rajkumar RP. COVID-19 and mental health: A review of the existing literature. Asian Journal of Psychiatry. 52:102066, 2020. 

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